Pragmática, Dilma trará de Pequim acordos para construir cidade digital e fabricar Ipad no Brasil. O maior alvo da viagem, porém, ficou aquém do esperado: o apoio chinês à pretensão brasileira de ter assento no Conselho de Segurança da ONU não foi explícito.
Dilma na china
Primeira etapa da viagem presidencial ao gigante asiático termina com saldo positivo na área econômica, mas fica sem a defesa efetiva da candidatura brasileira ao Conselho de Segurança da ONU e sem a discussão da questão dos direitos humanos
A presidente Dilma Rousseff encerra hoje a primeira etapa da visita à China com um saldo mais positivo do que esperava em vários aspectos econômicos e políticos. Mas não conseguiu escapar, no comunicado conjunto, de reafirmar o compromisso de trabalhar “de forma expedita” pelo reconhecimento do gigante asiático como economia de mercado. Ao mesmo tempo, ela também se viu obrigada a tratar de forma superficial a questão dos direitos humanos.
Em troca, o Brasil obteve o apoio — embora acanhado — em relação às pretensões no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e ouviu dos chineses a promessa de estimular as empresas locais a comprarem produtos de valor agregado no mercado brasileiro. Na área de investimentos, saiu com excelentes perspectivas de implantação de negócios chineses no Brasil, que vão superar a casa dos R$ 12 bilhões. Mas, em relação aos direitos humanos, o comunicado conjunto assinado por Dilma e pelo presidente chinês, Hu Jintao, traz a lacônica afirmação de que “as duas partes fortalecerão consultas bilaterais em matéria de direitos humanos e promoverão o intercâmbio de experiências e boas práticas”.
Dilma, no entanto, tratou de minimizar esse trecho nas 10 laudas do documento, na rápida entrevista que concedeu na noite de ontem, depois de um dia que começou com reuniões em ciência e tecnologia, passou por um fórum empresarial e terminou com o encontro com Jintao e um banquete oferecido pelo presidente chinês à delegação brasileira. “Tivemos a mesma manifestação sobre direitos humanos que tivemos com os Estados Unidos. Todos os países têm problemas de direitos humanos. Nós temos. A nossa posição sobre direitos humanos está expressa na nota conjunta, assim como a posição no caso recente da nossa nota conjunta com os Estados Unidos”, afirmou a presidente, que não discutiu detalhes sobre o tema.
O governo brasileiro, entretanto, comemorou os avanços na área econômica, financeira e comercial e também considerou que a China subiu uma posição no texto sobre a reforma da ONU. “A China e o Brasil apoiam uma reforma abrangente da ONU, incluindo o aumento da representação dos países em desenvolvimento no Conselho de Segurança como uma prioridade. A China atribui alta importância à influência e ao papel que o Brasil, como maior país em desenvolvimento do hemisfério ocidental, tem desempenhado nos assuntos regionais e internacionais, e compreende e apoia a aspiração brasileira de vir a desempenhar um papel mais proeminente nas Nações Unidas”, diz o comunicado conjunto.
O que mais animou as autoridades brasileiras é a expressão “compreende e apoia”. A presidente Dilma disse que não é possível comparar a declaração que assinou com o presidente Barack Obama, em março, em Brasília, à de ontem, com Hu Jintao, mas houve na delegação brasileira quem visse um avanço na posição da China em relação ao que tem pregado os Estados Unidos. Em março, os americanos disseram apenas que apreciavam a intenção brasileira, mas não usaram o verbo “apoiar” escrito no comunicado sino-brasileiro.
Líbia
Dilma chamou a atenção ainda para o fato de que, pela primeira vez, na história da ONU, os países do Brics — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — estão no Conselho de Segurança. “Vimos uma aproximação grande e natural e que levou a posição mais correta ao problema da Líbia. Nós todos optamos pela abstenção à zona de voo. Há uma preocupação muito grande em termos essa aproximação, o que não significa que todos teremos sempre a mesma posição”, afirmou, referindo-se à África do Sul, que acaba de entrar no Brics, e votou a favor.
Dilma fez questão de ressaltar ainda a posição de Brasil e da China a respeito da reforma do sistema financeiro internacional: “Vamos insistir no fato de que a governança do FMI e do Banco Mundial não pode sistematicamente consistir em um rodízio entre Estados Unidos e Europa, com os demais países sistematicamente fora. Não temos nada contra os dois. Achamos que eles têm técnicos de excelente qualidade. Agora nós temos técnicos de excelente qualidade. E não existe por quê, dada a correlação de forças na área econômica no mundo, que sejamos sistematicamente excluídos”, afirmou.
Dilma e Hu Jintao se reuniram às 17 h de ontem (6h em Brasília) no Grande Palácio do Povo, sede do Congresso chinês. Lá, a presidente Dilma passou em revista as tropas no grande salão interno, apenas na presença das autoridades dos dois países envolvidos nas negociações governamentais, o que chamou a atenção, já que, em 2004, o presidente Lula passou em revista às tropas numa cerimônia externa, em frente à praça da Paz Celestial. A justificativa foi a de que as solenidades externas só ocorrem a partir de maio, quando a temperatura é mais amena. Mas é fato que a China vem enfrentando muitos problemas de críticas ao regime desde que começaram os conflitos no Egito e, depois, na Líbia.
Tão logo terminou o encontro privado dos dois presidentes, a comitiva brasileira teve uma reunião conjunta com o governo chinês, onde foram assinados acordos tecnológicos (leia mais na página 5) e outros atos empresariais, como o dos aviões da Embraer e os da Sinopec (petrolífera) e da Sinochem (química) com a Petrobras.
O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, avaliou que a conversa entre os dois presidentes teve um ótimo nível, pois mostrou que os países querem acertar os ponteiros. “A China quer uma relação estratégica com o Brasil, os dois estão num bom momento econômico e de projeção no mundo”, afirmou o chanceler.
Turismo
A presidente Dilma aproveita a manhã de hoje para uma visita à Cidade Proibida — sede do antigo império chinês —, um dos principais pontos turísticos no centro de Pequim. À tarde, reúne-se com o presidente da Assembleia Popular Nacional, Wu Bangguo, e em seguida, com o primeiro ministro da República Popular da China, Wen Jiabao. Às 17h, embarca para Sanya, na Ilha de Hainan, no sul da China, para a segunda etapa da viagem: o encontro do Brics.
Nenhum comentário:
Postar um comentário