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sexta-feira, março 15, 2013

FRANCISCO I. UMA NOVA IGREJA CATÓLICA

15/03/2013
Na 1ª homilia, papa pede conduta 'irrepreensível'


De improviso, Francisco disse que Igreja precisa ater-se à sua missão e não virar uma "ONG piedosa"
Em sua primeira homilia como papa, Francisco pediu ontem que a Igreja não se afaste de sua missão, que é proclamar a mensagem de Cristo, e pediu que seus representantes vivam "de forma irrepreensível". O papa falou de improviso, durante 5 minutos, para cardeais e funcionários do Vaticano, informam os enviados especiais José Maria Mayrink, Jamil Chade e Andrei Netto. Citando o escritor francês Leon Bloy, que escreveu que "quem não reza para Deus reza para o diabo", ele advertiu que, "quando não se confessa Jesus Cristo, se confessa o mundanismo do diabo". Francisco deu sinais de que imprimirá estilo despojado na Santa Sé. Em jantar oferecido aos cardeais, ironizou a própria escolha: "Que Deus os perdoe". Ele dispensou limusine usada pelos pontífices, andou de ônibus e pagou sua hospedagem. O papa mexerá na direção dos órgãos da Cúria, provavelmente antes de terça-feira. A primeira nomeação deve ser o secretário de Estado, cargo de Tarcísio Bertone, que também preside o Banco do Vaticano.

Em sua primeira homilia, papa diz que é preciso viver "de forma irrepreensível"


José Maria Mayrink
ENVIADO ESPECIAL / VATICANO

Em sua primeira homilia após ser eleito papa, Francisco pediu que a Igreja não se esqueça de que sua missão primária é proclamar a mensagem de Jesus Cristo. "Nós podemos caminhar como queremos, podemos construir muitas coisas, mas, se não confessamos Jesus Cristo, algo está errado. Tornamo-nos uma ONG piedosa, mas não a Igreja, a esposa do Senhor." Também afirmou que é preciso "andar sempre na presença do Senhor, tentando viver de forma irrepreensível".

Citando o escritor francês Leon Bloy, que escreveu que "quem não reza para Deus reza para o diabo", o papa advertiu que "quando não se confessa Jesus Cristo, se confessa o mundanismo do diabo, o mundanismo do demônio".

A mensagem foi falada em voz calma, pausada, mas com firmeza, aos cardeais e a um grupo de convidados leigos, funcionários do Vaticano. A homilia durou apenas cinco minutos e foi feita toda de improviso - em vez de ler um texto sentado na cátedra, dirigiu-se à estante de leitura de onde pregam os padres e bispos em suas igrejas. Falar improvisadamente é uma mudança clara em relação ao papa emérito, Bento XVI, que sempre lia o conteúdo de suas mensagens.

A construção da homilia, um convite incisivo à fidelidade, foi baseada nas três leituras do dia, que falavam da caminhada de Abraão e da edificação da Igreja:

"Eu gostaria que todos nós, depois desses dias de graça, tivéssemos a coragem de caminhar na presença do Senhor, com a Cruz do Senhor, de construir a Igreja no sangue do Senhor, derramado na Cruz, e confessar a única glória, Jesus Crucificado", disse Francisco, ao se dirigir aos cardeais leitores e não eleitores, reunidos na Capela Sistina, onde ele foi eleito papa na quarta-feira.

Perseverança. 

Ele afirmou que apesar de a opção por caminhar, construir e edificar não ser uma escolha fácil, por conta dos abalos e dos "movimentos que não são próprios do caminho, que nos puxam para trás", não se pode abdicar da cruz.

"Quando caminhamos sem a cruz, quando edificamos sem a cruz e quando confessamos um Cristo sem a cruz, não somos discípulos do Senhor, somos mundanos, somos bispos, sacerdotes, cardeais, papas, mas não discípulos do Senhor".

O coral masculino da Capela Sistina cantou o Kyrie e outras partes da missa, mas o papa apenas recitou o texto litúrgico. A missa, presidida por Francisco e concelebrada pelos cardeais, foi toda em latim, com exceção das leituras, feita em italiano.

No briefing à imprensa, às 13 horas, o porta-voz da Santa Sé recomendou que se prestasse atenção na homilia, pois seria a primeira pregação do papa Francisco.

No fim da missa, foi feita uma oração especial para que o papa emérito, Bento XVI, que está recluso em Castel Gandolfo, possa servir a Igreja no recolhimento com uma vida dedicada à oração e meditação.


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15/03/2013
O papa Francisco


Em seu primeiro dia como papa, Francisco pediu que o levassem ao hotel onde havia se hospedado antes do conclave, pegou seus pertences e pa­gou, ele mesmo, a conta. 

A trivialidade do gesto combina perfeitamente com a imagem que se disseminou so­bre o novo pontífice, a de um ho­mem simples e austero, que cozinha sua própria comida e dispensa os lu­xos episcopais. 

Desde os primeiros instantes após sua eleição, Francisco envia fortes sinais do que espera dos integrantes da Igreja que comandará daqui em diante.

A inédita chegada de um jesuíta ao Trono de Pedro - e de um jesuíta que não é da Europa - evidencia a disposição de realizar mudanças sig­nificativas na condução da Santa Sé no momento em que ela atravessa crise de extrema gravidade. 

As rela­ções dos jesuítas com o Vaticano sempre foram marcadas por confli­tos. A Companhia de Jesus, fundada em 1534, enfrentou diversas vezes a alta hierarquia da Igreja - que, na vi­são da ordem, se apegava aos privilé­gios das cortes europeias enquanto negligenciava os fiéis nos confins do mundo. Os jesuítas lançaram-se, com disciplina quase militar, à mis­são de espalhar o Evangelho onde quer que fosse. Foram a linha de fren­te contra a Reforma empreendida por Lutero no século 16. Em seu tra­balho se misturam o absoluto zelo doutrinário com a capacidade de adaptação às circunstâncias.

Por isso, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, agora como papa Francisco, justifica a expectativa de uma intervenção decisiva na disputa de poder que se trava na Cúria Roma­na, isto é, a administração da Igreja. Quando era arcebispo de Buenos Ai­res, Francisco denunciou o carreirismo e o clericalismo na cúpula vatica-a. Agora terá a oportunidade de mu­dar esse quadro, conforme provavel­mente esperava seu antecessor, Ben­to XVI - que renunciou ao cargo es­perando que seu gesto fosse forte o bastante para dar um choque na Igreja, já que ele mesmo se sentia sem forças para tentar debelar a crise.

O projeto renovador, ademais, ma­nifestou-se na escolha de um papa de fora da Europa, algo que não ocor­ria havia mais de um milênio. A maio­ria dos cardeais procurou um nome que não estivesse contaminado pela atmosfera de intrigas e segredos que tomou a Santa Sé nos últimos tem­pos, e Bergoglio era justamente um cardeal que fazia questão de compa­recer ao Vaticano somente quando fosse absolutamente necessário.

Segundo o Vaticano, Bergoglio es­colheu o nome Francisco porque quis se referir a São Francisco de As­sis, conhecido por seu desapego ao mundo material e por sua dedicação aos pobres, que é a marca do novo papa. 

Mas o nome Francisco se refe­re também a São Francisco Xavier, cofundador da Companhia de Jesus e chamado de "Apóstolo do Orien­te", por sua intensa ação missionária na Asia. Francisco, o papa, também crê num amplo trabalho de dissemi­nação do Evangelho e de conexão com os fiéis em toda parte, principal­mente os pobres, defendendo-os do poder político secular, como fez vá­rias vezes na Argentina ao criticar o casal presidencial Néstor e Cristina Kirchner por, segundo suas palavras, "habituar" os argentinos à miséria e à violência.

O fato de Francisco ter vindo da Argentina - o "fim do mundo", como ele mesmo disse, referindo-se à sua situação geográfica - é importante porque indica uma atenção especial ao continente onde há mais católi­cos e que é "a região mais desigual do mundo", nas palavras do próprio Bergoglio. 

Para ele, uma Igreja que se fecha em si mesma, isto é, que não consegue ir além dos muros do Vati­cano e que perde o contato com seus fiéis, "torna-se ultrapassada". A cres­cente redução do número de católi­cos no mundo parece comprovar seu diagnóstico.

A idade de Francisco, 76 anos, per­to de fazer 77, sugere um pontificado curto para a tarefa que tem pela fren­te, mas é preciso lembrar que o pontí­fice contemporâneo que maior in­fluência teve sobre os rumos da Igre­ja, João XXIII, comandou os católi­cos por menos de cinco anos. A Igre­ja espera que Francisco, homem hu­milde e tenaz, dê o impulso necessá­rio para restabelecer a confiança en­tre a cúpula eclesiástica e os fiéis, além de disciplinar a administração da "Barca de Pedro" nas turbulentas águas do século 21.
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