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“Pode-se enganar a todos por algum tempo; Pode-se enganar alguns por todo o tempo; Mas não se pode enganar a todos todo o tempo...” (Abraham Lincoln).=>> A MÁSCARA CAIU DIA 18/06/2012 COM A ALIANÇA POLÍTICA ENTRE O PT E O PP.

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quinta-feira, junho 21, 2012

XÔ! ESTRESSE [In;] ''UNHATE''
















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A REFRESCAR A MEMÓRIA (Paladina III)


 
Memória Roda Viva
     
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Luiza Erundina

31/7/1995

Disposta a enfrentar as prévias do partido, a primeira prefeita mulher de São Paulo conta os problemas que enfrentou na sua gestão e critica as privatizações

     
     
Matinas Suzuki Jr: Boa noite. Ela foi a primeira prefeita de São Paulo. Saiu pobre do Nordeste para governar a cidade mais rica no sul do país. Foi também ministra, quis ser senadora e prepara a sua volta ao cenário político. No centro do Roda Viva desta noite está a assistente social e professora Luiza Erundina de Souza.
[VT narração de Valéria Grillo] A eleição de Luiza Erundina para a prefeitura de São Paulo, em 1988, foi a principal marca da carreira política dessa paraibana de sessenta anos de idade. Uma carreira que tem origem nos anos 1960, quando Erundina militou na ligas camponesas de Francisco Julião na Paraíba. Sempre filiada ao PT e aos revolucionários do partido, Erundina se elegeu por São Paulo vereadora e deputada estadual, antes de ser prefeita. A partir daí mudou o seu perfil. A vereadora e a deputada que incentivava greves e invasões de terras deu lugar a uma prefeita moderada, que teve nos radicais do partido uma das principais dificuldades de sua administração. Depois da prefeitura, uma experiência federal: Luiza Erundina foi ministra da Administração no governo Itamar Franco [1992-1994. Itamar Franco assumiu a Presidência depois que Fernando Collor renunciou, em 1992], cargo que custou a ela uma crise com o PT, que não apoiou a decisão. Enfrentando greves e reivindicações difíceis por parte do funcionalismo, Erundina se desgastou e teve de deixar o governo. No ano passado, ela voltou à política. Tentou uma vaga no Senado por São Paulo e perdeu. Agora, ela quer disputar com Aloísio Mercadante a indicação do PT na próxima eleição para a prefeitura de São Paulo [Mercadante já foi vice-presidente nacional do PT. Participou da elaboração dos programas de governo do PT e foi coordenador da campanha presidencial de Lula nas eleições de 1989. Elegeu-se senador em 2002.].
Matinas Suzuki Jr.: Bem, para entrevistar a Luiza Erundina nós convidamos hoje o jornalista Marco Damiani, editor de política da revista Isto É; Rui Xavier, coordenador de política do grupo o Estado de S. Paulo; Francisco Pinheiro, diretor de jornalismo da Rede Record de Televisão; Márcia Bongiovanni, repórter da Rede Cultura; Dario Palhares, chefe de redação do jornal O Globoem São Paulo; e Carlos Eduardo Alves, repórter de política da Folha de S. Paulo. O Roda Viva é transmitido em rede nacional por outras trinta emissoras em treze estados. [...] Boa noite, Luiza Erundina.
Luiza Erundina: Boa noite.
Matinas Suzuki Jr.: Luiza, nós todos achávamos que você seria candidata a candidata à prefeitura de São Paulo. Mas recentemente você deu uma entrevista dizendo que também era uma alternativa à Presidência da República, uma alternativa do PT à Presidência da República. Você está animada com a política brasileira, não está não?
Luiza Erundina: Não. Veja, eu não me lancei candidata a presidente...
Matinas Suzuki Jr.: ...não? Mas você disse...
Luiza Erundina: A pergunta do jornalista era se eu me sentia em condições e capaz, por exemplo, de disputar a Presidência da República. Eu disse que sim e que seria muito bom para a política brasileira que uma mulher se dispusesse a enfrentar essa tarefa, até para quebrar esse tabu que ainda existe de que nós mulheres somos reservadas ou estamos habilitadas apenas a cargos secundários na política. Eu quero provar o contrário, junto com muitas outras companheiras, que estão desempenhando com muita competência e com destaque a política no plano institucional
Matinas Suzuki Jr.: A senhora poderia citar algumas dessas companheiras?
Luiza Erundina: Olha, a Benedita da Silva [Filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT), foi deputada federal em 1986, sendo reeleita em 1990.  Elegeu-se senadora em 1994 pelo estado do Rio e foi a primeira mulher negra a ocupar uma vaga no Senado. Foi também governadora do Rio em 2002, depois que Antony Garotinho, então governador, renunciou ao cargo para disputar a Presidência], a própria Marta Suplicy [Foi deputada federal eleita pelo PT em São Paulo, entre  1995 e 1998. Foi eleita prefeita da cidade de São Paulo pelo PT em 2000-2004. Disputou a reeleição em 2004, porém perdeu para José Serra (PSDB)], e tantas outras parlamentares aí. A Irma Passoni [pedagoga. Foi deputada estadual por São Paulo entre 1979-1983 pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e pelo PT entre 1983-1987], na época que ela era deputada, enfim. E outras que não são do PT, mas que têm realmente se destacado no cenário nacional, no exercício de cargos legislativos e também no exercício de cargos executivos. Por exemplo, a Lídice da Mata [Foi vereadora de Salvador entre 1983 e 1987 e prefeita da cidade entre 1993 e 1997 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB)] em Salvador, e outras mulheres que estão ousando ocupar espaços que há muito tempo, tradicional e historicamente, têm sido reservados apenas aos homens. Temos que nos insurgir contra essa exclusão das mulheres em cargos importantes da vida política nacional.
Matinas Suzuki Jr.: Quer dizer que o objetivo primeiro, próximo, é tentar se reeleger na prefeitura de São Paulo?
Luiza Erundina: Sim, é ser candidata a prefeita. Porque ainda há uma disputa interna no partido que eu tenho que enfrentar...
Rui Xavier: Por qual partido a senhora vai enfrentar, professora?
Luiza Erundina: Como eu enfrentei em 1988.
Matinas Suzuki Jr.: O Rui está perguntando por qual partido a senhora vai disputar.
Rui Xavier: Que partido a senhora vai disputar?
Luiza Erundina: Olha, pelo PT, é o meu partido. Eu ajudei a fundar esse partido...
Rui Xavier: [interrompendo] Eu estou lhe perguntando isso pelo seguinte. Outro dia, nós tivemos uma informação que a senhora teria tido um encontro aqui em São Paulo com o vice-presidente do PSB [Partido Socialista Brasileiro] e que teria, nessa ocasião, convidado a senhora para entrar no PSB. Isso é verdade?
Luiza Erundina: Não, eu tive contato com várias lideranças...
Rui Xavier: [interrompendo] Com Ronaldo Lessa, o prefeito de Maceió [entre 1992 e 1996], não é?
Luiza Erundina: Ele esteve aqui não necessariamente para... Ele veio aqui. Eu aproveitei a vinda dele a São Paulo para discutir uma pesquisa que eu estou coordenando a nível nacional sobre relações de trabalho nas administrações públicas. Estou percorrendo o país, contatei vários prefeitos, governadores. E eu ia a Maceió para conversar com ele sobre essa pesquisa. Aproveitei a sua vinda a São Paulo e, nessa ocasião, sem dúvida nenhuma, ele insistiu na possibilidade de eu vir me filiar ao PSB, assim como Arraes[(1916-2005), político cearense, ligado originalmente a movimentos socialistas rurais, foi deputado e governador de Pernambuco. Na época, o maior líder do PSB] quando eu estive com ele outro dia, tratando dessa mesma pesquisa. Portanto, convites de diferentes partidos...
Rui Xavier [interrompendo] A senhora não está disposta a entrar no PSDB?
Matinas Suzuki Jr. [interrompendo] Caso a senhora não passe na Convenção Interna do seu partido, do PT, a senhora examina a hipótese de poder de candidatar por outro partido? Acho que é esse o sentido da...
Luiza Erundina: Não. Primeiro eu estou me dispondo a enfrentar o jogo democrático, que é disputar com outras candidaturas internas ao partido e eu jogo o jogo democrático até o fim. Quer dizer, se eu ganho eu vou fazer a campanha e vou procurar desempenhar o melhor possível essa tarefa que o partido me delegar. Se eu perco, naturalmente, eu vou fazer a campanha do vitorioso, porque não há outras regras senão essas, quando você resolve fazer o jogo democrático. Não há outra saída.
Carlos Eduardo Alves: Prefeita, a senhora está coordenando um projeto de reforma administrativa para o PT. Mas, na prática, no dia a dia, a senhora não tem mais vida partidária no PT. Por exemplo, a senhora não esteve presente na Convenção Municipal, não esteve presente na Convenção Estadual ontem, e a tal vida partidária é um preceito caro dentro do petismo. E então, como a senhora imagina, duas perguntas: como a senhora imagina ser candidata se a senhora não tem uma vida partidária hoje no PT? E por que a senhora não tem uma vida partidária dentro do PT, hoje?
Luiza Erundina: Não, primeiro essa pesquisa não é uma pesquisa do PT. Quer dizer, o grupo, naturalmente, foi de iniciativa do Lula, que convidou outros companheiros para fazer esse trabalho de pesquisa, até para construir uma proposta que possa ser dialogada com a sociedade, discutida com a sociedade, que é um tema que, a meu ver, as iniciativas do governo em torno da vida administrativa não estão dando conta.
Carlos Eduardo Alves: A questão da vida partidária.
Luiza Erundina: Bom, eu entendo que você vive o partido não só quando faz o jogo no aparelho, e eu me sinto pouco motivada a fazer esse jogo no aparelho, a disputa de cargos internos ao partido. E eu acho que eu faço também política e militância política fora do aparelho. Até porque o PT é um partido que nasceu exatamente dos movimentos sociais, dos movimentos populares, se construiu exatamente a base dos movimentos sociais. O PT é tanto mais autêntico, tanto mais vivo e tanto mais pronto para as tarefas que estão colocadas para ele hoje na conjuntura, quanto mais ele se inserir, se respaldar e se apoiar nos movimentos organizados da sociedade civil... Eu não me sinto uma pessoa fora do partido...
Carlos Eduardo Alves: [interrompendo] Mas na ausência da senhora ontem...
Luiza Erundina: Eu não tenho feito o jogo partidário, do ponto de vista de disputar cargos dentro do partido...
Carlos Eduardo Alves: [interrompendo] A senhora acha que é possível vencer uma convenção do PT, em uma prévia em que todos os filiados votam, sem ter essa participação, prefeita?
Luiza Erundina: Olha, há muitos filiados no partido que estão na minha condição. Ou seja, mantém a sua filiação ao PT, seus compromissos partidários, mas não se sentem mais motivados, interessados naquele jogo interno do aparelho partidário...
Matinas Suzuki Jr.: [interrompendo] Prefeita, a propósito, já começam a chegar perguntas sobre a sua análise, sobre a situação do PT hoje. O José Reis, de Salvador, Bahia, faz uma pergunta nessa direção. E o seu companheiro, deputado Djalma Bom, de São Bernardo do Campo, pergunta para a senhora: “Qual é a sua opinião a respeito das tendências no PT de hoje?" Se a senhora não acha que elas estão atrapalhando muito a vida partidária.
Francisco Pinheiro: [interrompendo] Matinas, eu gostaria... só completando essas perguntas e ficando um pouco nelas, que futuro a senhora vê para o PT? Qual PT existe para o Brasil? Porque parece que o PT perdeu um pouco a mensagem, em função desses conflitos de tendência apontados aí pelo telespectador?
Luiza Erundina: Olha, as tendências do PT, eu acho que, até certo tempo [atrás], elas cumpriram um papel, no sentido de gerar propostas, revitalizar e dar realmente elementos de debate, discussão e de construção da proposta partidária. A partir de um certo momento, isso vem se dando num nível de acirramento e de tensão que realmente não constrói a proposta que o partido deve construir e disputar na sociedade. Eu acho que esse jogo de tendências, essa disputa interna pelo poder nas instâncias partidárias, eu acho que está isolando o partido da sociedade, da luta social e da construção junto com a sociedade de um projeto para o país...
Francisco Pinheiro [interrompendo] Isso é apenas utopia?
Luiza Erundina: Eu acho que está na hora de romper com essa lógica interna dentro das disputas de tendência, por isso eu não estou dentro do aparelho, porque como eu não me sinto motivada a me integrar a nenhuma dessas correntes. Eu só poderia disputar sendo membro de uma dessas correntes, porque a disputa se faz através das correntes, não há possibilidade de você disputar como um militante independente...
[sobreposição de vozes]
Luiza Erundina: Respondendo ao Chico, eu acho que a saída do PT, ou seja, para reconstruir o seu projeto de esquerda, socialista...
Francisco Pinheiro: [interrompendo] Seria utopia? Ele perdeu a sua utopia?
Luiza Erundina: Não, ele não perdeu. Ele tem que recriar essa utopia, ele tem que dar um outro conteúdo ao seu projeto socialista de esquerda. Tem que se inserir de novo na sociedade civil. É a sociedade civil que vai construir a autonomia dessa instância na sociedade, até para manter o controle sobre o Estado e para poder viabilizar o exercício da cidadania, que é a meta maior de uma proposta socialista de esquerda. E, nesse sentido, na medida em que o partido mantém essa lógica interna, termina realmente se fechando, se isolando, se indispondo com um grande número de petistas. Não sou só eu. Há muitos petistas que não têm mais disposição de fazer aquela disputa interna que não energiza o partido. Muito pelo contrário, tira o partido do que está acontecendo na sociedade, e isso é muito ruim...
Matinas Suzuki Jr.: Prefeita, por favor. A Márcia. Vamos dar a palavra às mulheres. A Márcia queria fazer uma pergunta.
Márcia Bongiovanni: A senhora conversou com a direção do PT sobre a sua candidatura. E eu queria saber se a senhora teve um retorno em termos de apoio dentro do PT. A senhora tem apoio dentro do PT?
Luiza Erundina: Olha, qualquer militante, ele pode se lançar candidato a candidato. E se submeter às regras democráticas dentro do partido. Quer dizer, eu não precisaria consultar nenhum dirigente para me lançar candidata. Agora, a viabilidade dessa candidatura certamente vai depender de como se comportem as lideranças, os dirigentes, como vai se dar o processo. Com quem eu conversei a respeito foi com o Lula, antes mesmo de eu me dispor a me lançar candidata. E ele me estimulou, disse: “Olha, se lance, coloque o seu nome, você tem toda a condição de disputar”. Portanto, ele me estimulou.
Rui Xavier: [interrompendo] Mas ele prometeu apoio a senhora?
Luiza Erundina: Não, nem deveria. Eu acho que nenhum dirigente, se ele quiser realmente conduzir o processo de forma isenta, democrática...
Matinas Suzuki Jr.: Mas ele já manifestou o apoio dele à candidatura do Mercadante pelo menos implicitamente...
Luiza Erundina: O que não é uma coisa boa. Eu acho que o Lula e os outros dirigentes, se querem contribuir... Não significa que ele pessoalmente não possa votar, não possa manifestar-se privadamente em torno dessa ou daquela [candidatura]. Mas, como dirigente, como liderança que deve encaminhar o processo, eu acho que não ajuda ... Por que eu acho que compromete o caráter democrático do processo...
[sobreposição de vozes]
Matinas Suzuki Jr.: Dario, por favor. Vamos ouvir o Dario.
Dario Palhares: No momento em que o Lula está deixando a presidência do partido, há questão de semanas, a senhora não vê aí um risco de um vácuo de poder no PT? No momento em que a senhora mesma admite que essa briga de tendências internas, embora salutar, brigas de dirigentes do partido, ela compromete um pouco, vamos dizer, as propostas, propostas claras de um partido que se pretende ser a maior oposição ao governo Fernando Henrique [Filiado ao PSDB. Governou o país entre 1994 e 2002]?
Luiza Erundina: Não, eu acho ruim se você centraliza a possibilidade de administrar unidade partidária e o projeto partidário em uma figura só, o presidente. Isso é um indicador de que o partido ainda não desenvolveu plenamente a sua democracia interna. É até bom o Lula... não tendo o mandato de presidente ou de um dirigente maior do partido certamente ele poderá ter muito mais liberdade de defender, seja na tendência que ele esteja ligado ou não, suas posições o que, a meu ver, ele tem ficado inibido de fazer isso. Quer dizer, às vezes a gente conversa com o Lula e ele reconhece as dificuldades que existem no partido com essas disputas de tendências, que não acrescentam nada. É uma disputa pelo poder stricto sensu, porque não significam posições e propostas tão divergentes. É disputa pelo poder nas instâncias partidárias. Eu acho que o Lula fora, com a liderança que ele tem, com a legitimidade, com a representatividade que ele tem, é possível até que ele possa exercer um papel mais determinante no esforço de administrar essas divergências internas, bancando posições...
Dario Palhares: [interrompendo] Mas e quanto a figuras carismáticas, como o Lula, que permitam manter o partido unido? Eu, outro dia, até em uma conversa com os amigos... eu comparei o Lula com oMarechal Tito. Depois que o Marechal Tito se foi, a gente viu o que aconteceu. A senhora não teme que haja uma fragmentação irreversível com o PT?
Luiza Erundina: Não. O poder no PT hoje está muito mais socializado, mais dividido. Quer dizer, nós temos várias lideranças. Evidente que o Lula é o fundador do partido, uma liderança de massas muito importante, independente de ter ou não o mandato. Ele vai sempre ser uma referência importante para o PT e para os movimentos de massa do país. Mas não significa que, se ele sai da direção do partido, ele não possa influir na dinâmica interna até com mais liberdade, bancando posições, defendendo posições. O que às vezes, hoje, eu acho que ele fica meio intimidado ou preocupado em gerenciar a unidade partidária. Ele deixa de defender posições que são mais corretas...
Dario Palhares: [interrompendo] Ficaria como um grande conselheiro?
Luiza Erundina: ...adequadas, e fazem avançar. Às vezes, ele se omite em relação a isso.
Marco Damiani: Prefeita, em razão do que aconteceu na sua campanha ao Senado, quando a partido deixou sua candidatura “no sereno”. A cúpula partidária deixou absolutamente a pé a sua candidatura. A senhora não teme que o partido não a queira mais como candidata majoritária, ou seja, que seria inútil buscar de novo a candidatura pelo PT? Eu lhe pergunto: como a senhora se sente segura como candidata em razão do que aconteceu na sua campanha?
Luiza Erundina: Eu acho que é a oportunidade do partido se expressar. Se é isso que o partido quer, ele assuma. Eu sei que a minha situação no PT não é uma situação tranqüila, como não foi quando eu era prefeita. Foi sempre uma relação muito atritada, muito tensa, muito conflituosa. E não é só comigo, é com outros prefeitos do PT, pela incompatibilidade que existe de papéis.
Francisco Pinheiro: Por que sair da oposição e ser governo complica.
Luiza Erundina: E mais. E ser governo em uma instância de pouco poder. Porque uma coisa é você ser governo do país. Outra coisa é ser governo de uma prefeitura, mesmo a prefeitura do peso, do porte, da importância de São Paulo. Mas tendo determinantes com os outros níveis de governo, tendo minoria na Câmara, tendo dificuldades na relação com certos segmentos da sociedade.
Francisco Pinheiro: [interrompendo] Será que é uma tendência do PT a não enfrentar essa questão de propor realmente a coisa, ficar na oposição...
Luiza Erundina: Não vejo, isso é da natureza...
Francisco Pinheiro: [interrompendo] Por exemplo, essa participação impedida, vetada, de vários parlamentares do PT, proibidos que são de participar das reformas da Constituição...
Luiza Erundina: [interrompendo] Não, há uma disciplina interna, uma democracia interna, uma disciplina interna...
Francisco Pinheiro: ...propostas apresentadas, como a do deputado Eduardo Jorge [deputado federal pelo PT. Secretário municipal da Saúde (1989 - 1990) na gestão de Luiza Erundina], que não se aceita, não pode...
Luiza Erundina: ...mas isso vem se rompendo. No passado, isso era muito mais difícil. Por exemplo, o que eu fiz, rompendo com uma decisão de uma maioria pequena. O diretório nacional se reuniu e, por um ou dois votos, tirou que nenhum petista  deveria participar do governo Itamar. Portanto, foi uma decisão não a respeito de uma doutrina, de um princípio, de um compromisso político, ideológico. Mas foi uma decisão tática, conjuntural, de uma conjuntura, de uma questão meramente disciplinar, conjuntural, tática. E eu tinha uma razão maior, até de consciência, de ter agido daquela forma. Quer dizer, eu joguei o peso do meu mandato de prefeita no impeachment [antes de renunciar o presidente Fernando Collor foi alvo de um pedido de impeachment devido a denúncias de corrupção] no movimento pela ética. E avaliava que o Itamar, sozinho, sem partido, com as dificuldades que ele tinha como personalidade... E quem tinha influído na saída do então presidente Collor... e nós, eu, PT e outras pessoas fomos responsáveis pelo afastamento do presidente.
Francisco Pinheiro: [interrompendo] Pois é. O PT não poderia estar muito maior se tivesse apoiado?...
Luiza Erundina: Com certeza.
Francisco Pinheiro: O candidato Fernando Henrique, e puxado...
Luiza Erundina: Não, ele deveria ter ido governar...
Francisco Pinheiro: Essa candidatura um pouco mais para a esquerda ou do próprio governador Mário Covas?
Luiza Erundina: Veja, eu defendi, na época, que o PT deveria ajudar a fazer a transição até 1994, com o Itamar. Eu sou testemunha, pelos poucos meses que fiquei em contato com o Itamar, como ministra, que ele teria preferido governar o país em aliança com a esquerda do que com a direita. Mas a esquerda se negou a [fazer] isso. Não seria Fernando Henrique Cardoso hoje o presidente se as coisas tivessem sido feitas de outra forma.
Francisco Pinheiro: Não foram por intransigência do seu partido, do PT?
Luiza Erundina: Sobretudo por intransigência do meu partido. Eu acho que até, em uma avaliação de eleição de 1994 [para a Presidência], ficar como oposição poderia ser mais fácil. Por quê? Por que governar é mais difícil, [ao] governar você encontra as contradições.
[...] Foi oportunismo do PT, então, a senhora acha?
Luiza Erundina: Acho que foi uma avaliação antecipada, de um fato político que ia se dar quatro anos para a frente, imaginando. Ou seja, partindo de uma avaliação de que o processo poderia se dar de forma linear. E política não é isso. Política muda todo dia em cada conjuntura. E eu acho que, independente de qualquer meta de curto, médio ou longo prazo, o projeto maior, que é o interesse do país, o interesse de ajudar a sociedade brasileira, eu acho que deve estar em primeiríssimo plano para uma decisão dessa natureza. E acho que nós não tivemos a sensibilidade e a grandeza de termos feito isso.
Matinas Suzuki Jr.: Prefeita, o nosso telespectador José Nobre Guimarães, de Fortaleza, Ceará, pergunta para a senhora: “Como a senhora acha que o PT deve participar do Congresso Nacional daqui para frente?” E eu gostaria de aproveitar a pergunta do José Nobre para perguntar o seguinte: a senhora fez um análise muito boa dos problemas internos que o PT enfrenta. Quais seriam os problemas externos? Como a senhora enxerga o partido na conjuntura nacional? Se a senhora pudesse se desdobrar em...
Luiza Erundina: A dificuldade é que nós não nos capacitamos ainda para construir uma proposta mais estrutural, mais estratégica para o país. Nós só estamos reagindo. Reagimos a uma mudança tal, a uma medida provisória. Quer dizer, nós não temos construído. E não é só o PT não. Os partidos todos do nosso campo, do campo democrático, de esquerda. Não fomos capazes de, com a sociedade, construir um projeto estrutural, de longo prazo para o país que comportasse, inclusive, essas reformas. Algumas delas que estão sendo encaminhadas. Porque nós temos a clareza...
Matinas Suzuki Jr.: Quais, por exemplo, a senhora acha que deveriam comportar?
Luiza Erundina: A reforma do Estado. Mas não nos termos que está se dando, pela minha experiência...
Francisco Pinheiro: Quer dizer, então, que a senhora concorda com o Fernando Henrique quando ele diz que o seu governo não tem oposição, pelo menos no sentido clássico. Não há oposição que proponha nada alternativo?
Luiza Erundina: É, não tem mesmo. Eu acho que nós não conseguimos nos capacitar a ter, não só dizer. Não queremos, não aceitamos, criticamos, nós estamos reagindo, é um atitude reativa. Nós não conseguimos, não é só o PT. As esquerdas não conseguiram, efetivamente, em diálogo com a sociedade, construir um projeto alternativo para o país, que passasse, inclusive, pela questão de uma nova concepção de Estado. Estado–nação para uma nova compreensão de democracia.
Dario Palhares: Mas não caberia ao PT fazer esse papel, prefeita?
Luiza Erundina: Evidente. Não só ao PT.
Dario Palhares: Atualmente há conversas, fala-se sobre uma nova legenda de esquerda que estaria em gestação. O PSB, o PPS estariam empenhados, alguns dirigentes desses partidos, em criar uma nova legenda. Não seria o caso do PT, pelo menos para ter uma presença maior, tentar atrair esses parlamentares?
Luiza Erundina: Eu acho que o problema não é criar um novo partido de centro-esquerda, de esquerda. [O problema é], Com os partidos de esquerda que existem, [que] se abrissem canais com a sociedade e se dispusessem a fazer um amplo debate político com a sociedade. Mas pensar um projeto inteiro. Sem dúvida nenhuma, nós não podemos ignorar as transformações pelas quais o mundo passa e com impacto direto e forte sobre país como o nosso... Por exemplo, a globalização cultural e cientifica, a internacionalização da economia, enfim. Estas mudanças todas, estas transformações todas que estão se dando no mundo são irreversíveis e as nossas relações com essas transformações... Claro que não é dentro da lógica dessas transformações, mas elas devem ser referências. Nós não podemos simplesmente pensar um projeto para o Brasil ignorando esse quadro que está se dando no [contexto] internacional...
Dario Palhares: A senhora falou na globalização, economia. Enfim, do socialismo, ou seja... mas não são fenômenos recentes, não aconteceram semana passada, já tem alguns anos.
Luiza Erundina: A partir dos últimos cinco anos, esse movimento começou a se dar. Não estou dizendo que a dificuldade se da hoje, até porque há um componente cultural forte que determina a vida de uma instituição... Nós nascemos na luta de resistência a ditadura militar. Nós nascemos na luta pelos direitos sociais, nós nascemos com uma cultura ainda muito presente no nosso comportamento, na nossa visão de mundo, na nossa visão de sociedade, na nossa visão de Estado. E isso é processo para se transformar. E estamos nos transformando com a experiência de governo municipal. Por exemplo, as tensões que existem quando somos governo ou sendo governo. E convivendo com as demandas populares - que estimulamos, inclusive, como oposição. Quer dizer, isso são forças em tensão permanente e conflitos e a reconstrução com novos papéis para o nosso partido e para a sociedade.
Carlos Eduardo Alves: Prefeita, é possível elaborar um projeto estratégico para o país? Apontar uma alternativa para o país num partido como o PT, que hoje reúne desde pessoas, como composições, como o deputado José Genoíno [Um dos líderes do PT. Foi eleito deputado federal por São Paulo entre 1982 e 2002. Em 2002, se candidatou para ao governo de São Paulo, mas foi derrotado] a grupos trotskistas [trotskismo]? Porque isso é a riqueza do petismo. Isso, hoje não teria chegado num ponto que atrapalharia ou inviabilizaria a condição de um projeto?
Luiza Erundina: Isso não deve ser feito no âmbito interno do partido. Um projeto, para ter validade...
Carlos Eduardo Alves: Especificamente no caso do partido. O partido não está paralisado por causa dessa...?
Luiza Erundina: Eu acho que em certo sentido sim. Mas há uma possibilidade real, se o partido voltar a se inserir na luta concreta da sociedade, e buscar um diálogo para construir esse projeto com a sociedade. Porque se for um projeto do PT, ele não se viabiliza politicamente. Ele vai ter muitas dificuldades, mesmo com a bancada combativa, competente, ativa que temos no Congresso Nacional. Mas nós somos tão minoria, tão minoria, temos tanta dificuldade de fazer valer as nossas posições que se não fizermos, ao mesmo tempo, um esforço no âmbito institucional, no âmbito do Congresso Nacional, ao mesmo tempo construindo propostas e projetos... Não necessariamente para contrapor os projetos do governo, até porque não daria mais tempo, pelo menos na ordem econômica já passou. A não ser no momento da regulamentação dessas reformas. Ainda há um espaço para ser ocupado, mas, por exemplo, as outras reformas que vão vir aí, a própria reforma do Estado...
Rui Xavier: Prefeita, deixa eu lhe fazer uma pergunta nessa linha. A senhora estava falando das incompreensões da esquerda e do PT em relação a questões que estão colocadas aí, na ordem mundial, tipo globalização, internacionalização da economia...
Luiza Erundina: E o fim do próprio socialismo burocrático [refere-se ao fim da União Soviética e do comunismo no Leste Europeu], isso influiu.
Rui Xavier: No nosso plano interno, aqui no Brasil, essa participação, esse tipo de participação do PT em relação a reformas, em relação ao Congresso Nacional, a senhora concorda com esse tipo de veto do PT? Quer dizer, o PT não quer participar das discussões sobre reformas constitucionais.
Luiza Erundina: Não concordo, não concordo.
Rui Xavier: E não permite que seus deputados participem.
Luiza Erundina: Eu não concordo. Isso é uma posição autoritária, inclusive companheiros nossos se insurgiram contra isso. O companheiro deputado - Eduardo Jorge, o próprio Genoíno - e hoje se avalia que, se tivéssemos disposto a entrar na reforma naquela ocasião a conjuntura, possivelmente, poderia ser até mais favorável para se preservar conquistas e para...
Francisco Pinheiro: E para mudar o país.
Luiza Erundina: Para fazer avançarmos. Eu acho que política você faz avançando.
Francisco Pinheiro: Para mudar o país...
Luiza Erundina: Sem dúvida nenhuma.
Francisco Pinheiro: Porque se o país mudar agora com as reformas feitas pelo presidente Fernando Henrique, com a influência do PFL... ele poderia mudar com a influência de outros da sociedade?
Luiza Erundina: Sem dúvida nenhuma. 
Carlos Eduardo Alves: A senhora, por exemplo, é favorável à quebra dos monopólios, prefeita? Ou não? [refere-se à privatização de empresas públicas ocorrida na época e a permissão para que o setor privado entrasse em setores estratégicos, como energia e telecomunicações]
Luiza Erundina: Não, não sou, nem de todos os monopólios, não.
Carlos Eduardo Alves: Especialmente dos dois que foram quebrados?
Luiza Erundina: Eu sou contra. É uma questão de defender a soberania nacional.
Francisco Pinheiro: As telecomunicações?
Luiza Erundina: As telecomunicações, o setor energético, o setor de petróleo. Quer dizer, você abrir mão desses setores... Há formas de você criar canais de controle público sobre esses monopólios.
Francisco Pinheiro: Então, a senhora aceita quebra de monopólio de quê, por exemplo?
Luiza Erundina: Por exemplo, o setor metalúrgico, siderúrgico...
Francisco Pinheiro: Mas já foi feito isso.
Luiza Erundina: Não tem porque o Estado exercer uma atividade econômica que ela poderá ser melhor exercida [pelo setor privado] e que não tem nada a ver com o caráter e a natureza do Estado. Mas atividades econômicas e estratégicas não podem sair do controle do Estado, com o controle público da sociedade...
Francisco Pinheiro: A senhora acha que não pode manter o controle? O Estado não pode, por exemplo, quebrar o monopólio das telecomunicações e, ao mesmo tempo, ser a instância que fiscaliza?
Luiza Erundina: Essa é uma falácia. Porque se a sociedade não controlar o Estado, esse Estado não tem capacidade - e vem demonstrando isso - de controlar nem mesmo as funções que são mais próprias dele. Haja vista as distorções, a corrupção, a incompetência desse Estado. Porque ele por si só não é capaz sequer de exercer...
Matinas Suzuki Jr.: Prefeita, não parece que a senhora e o partido estão defendendo uma agenda superada? Que já há um consenso na população, ou já há uma ideologia hegemônica na população de que o Estado pode sair do controle dessas coisas, que o país pode funcionar com uma certa...
Luiza Erundina: Você disse bem, é um ideologia hegemônica.
Matinas Suzuki Jr.: Porque as pesquisas têm mostrado que essa...
Luiza Erundina: [interrompendo] Porque é uma forma de dominação e de alienação. Esse é outro aspecto que caracteriza bem o mundo nos dias de hoje. Quer dizer, entre aspas, o consenso, a participação, a adesão, a aceitação, ela está se fazendo acriticamente. Porque a opinião pública, a sociedade civil não tem canais...
Matinas Suzuki Jr.: [interrompendo] Mas também as pessoas querem que essas coisas funcionem. Não é só ideologia...
Luiza Erundina: [interrompendo] Mas elas podem funcionar com controle...
Matinas Suzuki Jr.: [interrompendo] As pessoas querem ter telefone que funciona barato, e não ficar na fila do telefone pagando três mil reais por uma linha que poderia custar cem ou duzentos dólares.
Luiza Erundina: É. Mas veja também o que aconteceu em países onde houve a privatização de certos setores. O setor, por exemplo, de telefonia, em que as tarifas cresceram sete vezes, como no caso da Argentina. Não é verdade que ao privatizar...
Francisco Pinheiro: A senhora não acha que, para ser mais prático, seria mais interessante o PT cuidar da fiscalização disso? Porque parece que ele está dizendo...
Luiza Erundina: Não. O PT é um partido que disputa o poder.
Francisco Pinheiro: Mas há um pensamento hegemônico da sociedade.
Luiza Erundina: Que disputa o poder e tem a responsabilidade de construir uma proposta alternativa... Se ficar como fiscalização, a sociedade já faz isso, ou deveria fazer. Cabe ao partido ajudar a contribuir para fazer esse controle e essa fiscalização.
[...]: Quem faz fiscalização professora? Não fiscaliza...
Francisco Pinheiro: Se fiscalizasse não tinha tantos problemas de corrupção como existem até hoje.
Luiza Erundina: Não. Nas prefeituras, onde há democracia, onde há canais com a sociedade civil, esse controle se faz; até sobre orçamento, até sobre as aplicações dos recursos públicos. Isso não é inviável, é questão de determinação, de vontade política e de método para se fazer isso. Se tivesse feito isso...
[sobreposição de vozes]
Carlos Eduardo Alves: A experiência da senhora com a CMTC [Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos], que foi uma gigante estatal - desmontada, agora, na administração Maluf [prefeito (entre 1969-1971 e entre 1993-1997) e governador (entre 1979-1982) de São Paulo].
Luiza Erundina: Ainda agora, conversando com o companheiro que foi me pegar em casa, ele dizia que o traçado do metrô, a construção do metrô, foi feita pela CMTC na época. Então, a CMTC não é uma empresa que apenas operava o sistema de transporte coletivo sobre rodas na cidade. A CMTC tinha mais de 45 anos e foi responsável no Brasil pela criação de tecnologia de transporte coletivo sobre rodas. Portanto, transporte coletivo por ônibus. Portanto, a CMTC não é uma mera operadora de frota de ônibus, era uma empresa que criou tecnologia, gerou conhecimentos, era uma empresa...
Carlos Eduardo Alves: Gerava recursos?
Luiza Erundina: O que não justifica as distorções, uma eventual falta de produtividade, a ineficácia. Mas isso pode ser corrigido. E, no nosso governo, nós conseguimos avançar bastante na correção dessas coisas. Além disso, era uma empresa pública que cumpria aquilo que estava previsto na Constituição em relação aos direitos trabalhistas. A iniciativa privada não. Quer dizer, é fácil a iniciativa privada produzir lucros. Porque ela sonega tributos, ela não cumpre a legislação, falsifica, foge das normas.
Matinas Suzuki Jr.: [interrompendo] Prefeita, está cheio de empresas estatais que não estão pagando os seus deveres para o Estado.
Luiza Erundina: É verdade.
Matinas Suzuki Jr.: Não é só a iniciativa privada.
Luiza Erundina: Mas não é uma regra que diga: a empresa pública necessariamente tem que ser improdutiva, ineficaz, incompetente. Não, absolutamente. É uma questão de gerenciamento. E é uma questão de controle da sociedade sobre essas estatais.
Marco Damiani: Prefeita, mas na sua administração a senhora precisou trocar o presidente da CMTC algumas vezes, deixou o “prato pronto” para o Maluf desmontar e ganhar politicamente com isso...
Luiza Erundina: Não. Ele desmontou tudo, desmontou a saúde, não foi “um prato pronto”. Quer dizer, eu deixei as finanças saneadas.
Marco Damiani: Ele está faturando politicamente em cima do fim da CMTC ainda, na minha avaliação.
Luiza Erundina: Não. Veja como é contraditório...
Marco Damiani: E o preço das passagens prefeita? Deixa eu perguntar...
Luiza Erundina: Mas olha como está contraditório...
Marco Damiani: Mas o preço não mudou tanto assim para a população.
Luiza Erundina: Mas, deixa eu te dizer como é contraditório, ele alegava que o subsídio que a prefeitura destinava ao transporte era muito alto por causa da CMTC. Olha, dados fornecidos pela Câmara Municipal, em particular pelo então deputado Arnaldo Madeira [deputado federal pelo PSDB de 1995 a 2006. Foi vereador de 1983 a 1994 e presidente da Câmara Municipal de São Paulo em 1991], que demonstrou que o Maluf destinou muito mais subsídios para tarifa, mesmo depois da privatização. Portanto, ele contribuiu para elevação dos lucros da rede privada, da frota privada com ônibus e privatizou a CMTC. Não foi para fazer economia que ele privatizou a CMTC. Ele privatizou a CMTC porque é a sua política privatizar tudo. Ele está privatizando a saúde.
Marco Damiani: Mas muitas vezes a esquerda aceita a política de subsídios.
Matinas Suzuki Jr.: Sobre a CMTC: não houve uma economia real para o município?
Luiza Erundina: Não houve. Ele destinou... Infelizmente, eu não tenho os dados aqui, mas a Câmara Municipal tem relatório sobre isso. E foi denunciado à mídia. A imprensa trouxe essa informação, que o subsídio que o Maluf dava mensalmente ao transporte coletivo na cidade era muito superior aquele que nós dávamos... E ele privatizou, em nome de economizar e de manter mais recursos para a prefeitura, para destinar para outros recursos, o que não é verdade. Ele piorou o sistema. Ele acabou com a municipalização. Ele privatizou a CMTC, piorou a qualidade do serviço, diminui a frota. Perguntem para quem usa ônibus na cidade como está a situação do transporte coletivo hoje. Não é melhor e ele não economizou. Ao contrário, destinou muito mais subsídio ao transporte coletivo na cidade do que na minha época...
Dario Palhares: [interrompendo] Mas a senhora não viabilizou a CMTC prefeita. A senhora encontrou uma empresa numa situação delicada e a entregou ao seu sucessor numa situação delicada. Quer dizer, a empresa não foi...
Luiza Erundina: [interrompendo] Não. Não era numa situação delicada. Como eu encontrei...
Dario Palhares: Mas era delicada.
Luiza Erundina: Eu encontrei a frota que era de três mil ônibus, representava 30% do sistema na cidade. Eu a encontrei com uma dívida de seis milhões de dólares. As concessionárias sem quererem fornecer nenhuma peça, nenhum acessório à empresa. Tinha um único pneu nos depósitos da CMTC, e por sinal careca. E nós tivemos que recuperar todo o estoque. Tivemos que recuperar a frota, comprar novos ônibus com recursos próprios. Porque havia dívidas de governos anteriores que não haviam sido pagas. Quer dizer, tive que pagar a dívida de governos anteriores. Assim mesmo consegui ampliar a frota em algumas centenas de ônibus. Com a municipalização conseguimos aumentar a frota em mais de dois mil ônibus. Mantivemos as tarifas razoavelmente acessíveis às condições de renda do trabalhador. E o trabalhador confessava: ele antes saía de casa às três e meia. Isso, durante alguns anos do meu governo...
Matinas Suzuki Jr.: [interrompendo] Mas a que custo?
Luiza Erundina: Eu não acertei isso no começo...
Matinas Suzuki Jr.: [interrompendo] Mas a que custo, prefeita?
Luiza Erundina: Nós viemos a acertar isso no terceiro ano em diante. Porque a Câmara demorou a aprovar um projeto de lei de municipalização, que manteve o controle da receita, que mudou as regras contratuais, estabeleceu o pagamento pelos serviços, não pelo número de passageiros transportados mas pelo número de quilômetros rodados. O que contribuiu para melhorar a qualidade. As empresas tiveram interesse em renovar suas frotas, em adquirir novos ônibus. E é concreto: houve melhoraria no transporte.
Francisco Pinheiro: A maior parte da população anda de ônibus em São Paulo.
Luiza Erundina: Como?
Francisco Pinheiro: A maior parte da população de São Paulo anda de ônibus.
Luiza Erundina: Seis milhões e quinhentos mil passageiros por mês.
Francisco Pinheiro: Será que a população sentiu esse avanço?
Luiza Erundina: Dia a dia.
Francisco Erundina: Por que essa população não respondeu a isso no voto ao seu partido?
Luiza Erundina: Olha, Francisco, são tantos fatores que interferem numa eleição em uma cidade como São Paulo. Porque São Paulo é uma cidade tão complexa, o processo político nessa cidade... a não ser grandes pesquisadores, capazes de levantar e de cruzar e de analisar “n” dados para poder concluir por quê não se fez o sucessor político. Por exemplo: em São Paulo há mais de quarenta anos o prefeito não faz o seu sucessor. Portanto, não foi só com Luiza Erundina, não - inclusive Maluf e outros -, há mais de quarenta anos não se faz [sucessor]. O governo do estado faz. O governo da prefeitura não faz... O poder econômico joga um peso fantástico. A conjuntura, em uma eleição...
Carlos Eduardo Alves: [interrompendo] Em Porto Alegre aconteceu o mesmo fenômeno: nunca um prefeito tinha conseguido fazer o seu sucessor. O Olívio Dutra [prefeito de Porto Alegre pelo PT entre 1989-1993], que é do mesmo partido que a senhora, e governou também com muitas dificuldades no partido, conseguiu fazer...
Luiza Erundina: [interrompendo] Eu estou falando de São Paulo.
Carlos Eduardo Alves: Mas por que essa diferença? Por que a administração da senhora nunca foi citada dentro do PT como uma administração modelo? Sempre se citou Porto Alegre e Santos, por exemplo.
Luiza Erundina: Esse é também um problema. Quer dizer, o partido não reconhecia o meu governo. Tanto é que não usou os acertos do governo. Poderia colocar.
Francisco Pinheiro: [interrompendo] Então, está difícil a senhora sair candidata?
Luiza Erundina: Não, eu tenho apoio da sociedade. Eu tenho um respaldo. Hoje, eu tenho muito respaldo na sociedade.
[Sobreposição de vozes]
Luiza Erundina: O jogo democrático é isso: perde-se e ganha-se.
Matinas Suzuki Jr.: Prefeita, prefeita.
Luiza Erundina: Eu estou motivada para enfrentar essa briga.
Márcia Bongiovanni: Quais foram os acertos da senhora na Prefeitura?
Luiza Erundina: Olha, na área da saúde eu consegui em quatro anos construir seis hospitais, quando em toda a história de São Paulo - 446 anos, foi exatamente a idade que tinha São Paulo quando eu assumi a cidade - a prefeitura só tinha construído oito hospitais. Eu construí seis, dois grandes e quatro médios. Veja bem, quando eu assumi a prefeitura era 1,8 leitos por mil habitantes. Eu deixei por 2,4 leitos por mil habitantes. Quer dizer... e numa outra qualidade, com hospitais equipados, modernos, médicos e paramédicos ganhando razoavelmente bem, motivados, com um gerenciamento com a participação da comunidade através dos conselhos gestores. Hoje, é reconhecido que a nossa política de saúde foi uma das mais decentes e mais dignas na cidade. Na área da educação, por exemplo, essa política cultural foi premiada por governos estrangeiros, pela Unesco [Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura], pelo governo francês, pelo governo japonês. Quer dizer, nós tivemos uma política cultural e uma política educacional reconhecida até fora do país. Por exemplo, a rede de creches, nós ampliamos o número de vagas e demos uma condição da criança se alimentar. Eu vou dar um dado para vocês: logo que eu assumi a prefeitura eu fui visitar algumas creches, e as professoras que trabalhavam com as crianças diziam que, no primeiro dia que puseram carne no prato das crianças, elas saíram correndo e diziam que tinha um bichinho dentro prato. Porque elas não viam carne na sua casa e nunca tinham visto carne há quatro anos nas creches da prefeitura. Então, eu visitei a maternidade Vila Nova Cachoeirinha, que era uma maternidade modelo na cidade, da prefeitura. Quando eu, junto com o meu secretário de então, o companheiro Eduardo Jorge, fomos visitar, o diretor do hospital me disse que todo dia a enfermeira de plantão saía frustrada, saia traumatizada, chorando. Porque naquela noite ela tinha que decididir qual criança prematura tinha mais chance de viver do que outra. Porque não havia um sistema de oxigênio suficiente para manter todas as crianças nas incubadoras. Isso na cidade que produz 40% da riqueza desse país, numa prefeitura que é o terceiro orçamento do país. Então, essas foram às prioridades que nós adotamos e aplicamos na cidade.
Matinas Suzuki Jr.: Prefeita, a Márcia perguntou para a senhora sobre os acertos. Aqui, há algumas perguntas sobre os erros. A Cristina Borges, de São Paulo; o Jorge Augusto Rego, de Santana, daqui também da capital; e o arquiteto aqui de São Paulo, Artur de Matos Casas, perguntam para a senhora o seguinte: como, honestamente, seria a administração de Luiza Erundina, hoje? O que faltou nos seus anos na frente do governo municipal? Quais os erros que a senhora gostaria de reparar? Sobre aspecto demarketing político, foi uma administração ingênua?
Luiza Erundina: Nós perdemos a batalha da comunicação. Isso eu tenho dito onde eu vou. Primeiro, não soubemos definir uma política de comunicação adequada, competente, eficaz. No primeiro ano, nós achávamos ingenuamente que: "olha, o povo vai ver o que nós estamos fazendo, não há porque informar". Quando a gente sabe que no investimento de milhões de dólares numa periferia só aquela periferia sabia. Nos outros anos, não acertamos a dose, seja na forma, seja no conteúdo. E a minha agenda, ela deveria destinar mais tempo às conversas com os jornalistas, a me colocar mais a disposição dos comunicadores. E outro erro: a política de alianças. Nós fomos estreitos em relação à política de alianças. Governamos praticamente sem alianças com outras forças política. E mais, nossa relação com a Câmara Municipal teria que ter sido melhor cuidada pessoalmente. Eu tive minoria o tempo todo. E também com a política de alianças estreitas, nós estreitamos a possibilidade de alianças e de acordos na Câmara Municipal de São Paulo. Eu corrigiria e aprofundaria o processo de descentralização na cidade.
Matinas Suzuki Jr.: Bem, nós faremos uma pausa e voltaremos daqui a pouco, hoje entrevistando a ex-prefeita de São Paulo, Luiza Erundina. Até já.
[intervalo]
Matinas Suzuki Jr.: Bem, nós voltamos com o programa Roda Viva, que esta noite entrevista a assistente social e ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina [...] Prefeita Erundina, a senhora disse que as pesquisas indicariam que o usuário do transporte coletivo na época da senhora na prefeitura de São Paulo estava mais satisfeito com a qualidade de serviço do que na atual gestão. No entanto, a pesquisa Datafolha de avaliação de dois anos e meio do governo Maluf indica que 46% da população da cidade de São Paulo avalia como ótimo e bom o governo do atual prefeito; e na mesma época a gestão da senhora estava com 19% de ótimo e bom, como a senhora avalia esses dados?
Luiza Erundina: Olha, são conjunturas diferentes, não dá para comparar realidades tão diversas de um tempo e de outro, com conjunturas tão diversas. É difícil comparar. Não sou técnica em pesquisa, mas eu acho que não dá para fazer uma mera transferência. Agora, no cômputo geral, a avaliação do prefeito nesses 27 meses de governo não tem sido aquela avaliação que eu tive. Por exemplo, no final do meu governo, eu saí com praticamente 70% de aprovação. Tive momentos de baixa...
Matinas Suzuki Jr.: [interrompendo] Segundo o Datafolha, com 29% de aprovação.
Luiza Erundina: Não, no final, depende que...
Matinas Suzuki Jr.: Não de aprovação, mas de taxa de ótimo e bom.
Luiza Erundina: Mas eu estou me referindo a uma pesquisa do Estadão no dia primeiro de janeiro de 1993, quando eu estava passando o cargo ao atual prefeito o Estadão publicava essa pesquisa, certo?
Marco Damiani: Professora, o prefeito Paulo Maluf fez bem em terminar as obras inacabadas?
Luiza Erundina: Não. Depende de que obras, essas obras que ele...
Marco Damiani: Túneis, viadutos, tudo isso ele terminou.
Luiza Erundina: Não, essas não foram as minhas prioridades, porque ele está tirando da saúde, está tirando da educação, das creches, do saneamento básico. Ele está tirando dos pobres, está tirando qualidade de vida que minimamente o nosso governo procurou levar a essa população. São outras prioridades. Quer dizer, são governos com outros compromissos.
Carlos Eduardo Alves: Como ele tem essa aprovação razoavelmente alta, hoje?
Luiza Erundina: Não sei qual é a reação do público.
Dario Palhares: São Paulo é conservadora por excelência? A senhora disse antes do programa que, dificilmente, venceria uma eleição em 1988 no segundo turno disputando com o candidato Paulo Maluf.
Luiza Erundina: Certo.
Dario Palhares: E a senhora não fez seu sucessor. E a senhora conhece bem São Paulo, está há muitos anos aqui. Eu lhe pergunto: São Paulo é conservadora?
Luiza Erundina: Ao mesmo tempo que é uma cidade conservadora, é uma cidade que tem uma tal pluralidade cultural, tem uma tal heterogeneidade, tem uma tal dinâmica que explica que, em certos momentos, essa cidade... Só numa cidade como São Paulo uma pessoa com o meu perfil teria tido a oportunidade de ter sido eleita e governar essa cidade. E [mais], num partido como o PT, em outro partido não. [Apesar] das dificuldades que eu tenho com o PT, fora do PT, possivelmente, eu não teria tido as chances de ter sido candidata por aquele partido.
Dario Palhares: Mas é conservadora, na sua opinião?
Luiza Erundina: É conservadora.
Francisco Pinheiro: Juntando isso aqui, a senhora falou que talvez só essa cidade tenha condições de eleger alguém com o seu perfil, e falando que é conservadora. Eu fico imaginando a dificuldade que deve ser alguém que é do Nordeste, nós temos um dado de preconceito ainda, é mulher, é do PT. Não deixa de ser um problema, porque o partido tem uma marca com muita rejeição. Assumir uma cidade como São Paulo, que tem como característica a Avenida Paulista da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, cuja sede fica na Av. Paulista], dos bancos. Como é se sentar? Como a senhora, se sentando nessa cadeira e vendo essa cidade, esse poder, essa força da grana “que ergue e destrói coisas belas” [refere-se à música “Sampa” escrita por Caetano Veloso em 1978 para a cidade de São Paulo], essa força da grana impressiona mesmo? Dói em cima, como é isso?
Luiza Erundina: Sim, mas você sabendo lidar ela é capaz de entender uma fala e uma prática competente. E ela respeita.
Francisco Pinheiro: Uma direita não burra?
Luiza Erundina: Não, não é. Uma esquerda também não é.
Francisco Pinheiro: Só uma provocação.
[risos]
Luiza Erundina: Só para dizer uma coisa - Chico, e aos telespectadores - para mim esses dados de preconceito, que são muito fortes, não foram superados, são muito fortes.
Francisco Pinheiro: Claro, no diálogo com essas forças da sociedade, evidentemente, isso devia estar emergindo a todo momento...
Luiza Erundina: Em vez de eu ter ficado inibida, batida, recuada, magoada com isso, eu fiz disso o mote da minha luta. Quer dizer, eu tinha não só que governar com competência, demonstrar que eu era capaz, eu tinha que governar com honestidade, eu tinha que governar democraticamente. E mais, tinha que fazer a luta ideológica, a luta cultural contra os preconceitos; não por mim, mas pelas mulheres. Eu tenho cerca de 30 mil cartas que eu recebi durante o meu governo. A grande maioria dessas cartas, eu espero um dia ainda que alguém tenha interesse em trabalhar com esse material, são cartas de mulheres, que vão ao sentido de estimular, apoiar, “vai em frente”, “não fique no meio do caminho”, “não desanime”. E então, eu via sobre mim uma responsabilidade de afirmar, não só o meu papel - nordestina, mulher, petista -, mas de afirmar o papel da mulher, dos excluídos, dos considerados cidadãos de segunda classe como alguém que tem possibilidade e que tem o direito de exercer a cidadania plena. Inclusive, disputando poder nesta cidade e neste país. É esse um pouco o meu projeto e o meu compromisso: continuar lutando para afirmar o papel da mulher na política em todos os sentidos, em todos os cargos. Eu acho que isso é uma tarefa que me cabe.
Marco Damiani: Se dona Ruth [Cardoso [(1930-2008) antropóloga. Casada com Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil (1994-2002). Durante o mandato do seu marido, criou e presidiu programa Comunidade Solidária de combate à exclusão social e à pobreza. Em 2000, criou a Comunitas, organização não-governamental, com o objetivo de dar continuidade às atividades do Comunidade Solidária]  lhe convidasse para fazer parte da Comunidade Solidária, ou se o presidente lhe convidasse para fazer parte do ministério, a senhora aceitaria algum dos cargos?
Luiza Erundina: Não. A dona Ruth me convidou pessoalmente para ser membro do conselho da comunidade solidária e eu não aceitei. Por quê? Porque é um órgão sem poder, é um órgão atrelado aos ministérios, que não se compõem com pessoas, com delegações de setores organizados da sociedade. Eu ia lá como personalidade. O que eu sou como personalidade? Eu não sou nada. Quer dizer, se eu vou lá como representação de segmentos organizados institucionalmente na sociedade, eu tenho peso, tenho voz, tenho força. E eu disse isso para ela com todas as letras, que esse conselho não tinha força, no ia ter força, não ia determinar, ia ficar dependendo dos ministérios, que são quem controla as verbas. E ia, inclusive, se sobrepor a um esforço e a um acúmulo que já se tinha feito nesse país em torno da construção de outro instrumento, que é a Lei Orgânica da Assistência Social. O Itamar criou o ConselhoNacional da Assistência Social, os outros conselhos já deveriam ter sido criados nos estados e municípios. E não o foram, porque tem outro mecanismo sem força política que se sobrepôs a esse esforço que a sociedade construiu. E, entre outras coisas, por isso eu não aceitei fazer parte do conselho.
Marco Damiani: Mas o governo parece orgulhoso desse programa. A senhora acha que ele não pode fazer nada de bom, não pode contribuir nada para a situação social?
Luiza Erundina: Ele está fazendo uma ação compensatória, assistencial. Primeiro, a meta eram os quinhentos município mais pobres; dos quinhentos passaram a cem; dos cem, cinqüenta. Não me diga que a solução dos problemas sociais e da exclusão de 70% do povo desse país se resolva distribuindo cesta de alimentos. Se resolva distribuindo esmolas. 
[...]: Mas no governo do Itamar era diferente?
Luiza Erundina: Eu não estou dizendo que o Itamar fez diferente.
[...]: Mas como a senhora participou do governo Itamar...
Matinas Suzuki Jr.: Como a senhora avalia a sua experiência como ministra?
Luiza Erundina: Pelo menos ele reconheceu e respeitou uma proposta que veio da sociedade civil e transformou em lei. A Lei Orgânica da Assistência Social. O Conselho, por exemplo, que era dirigido pelo Betinho [(1935- 1997) sociólogo e ativista dos direitos humanos. Um dos responsáveis pela criação do movimento pela Ação da Cidadania Contra a Miséria e Pela Vida, de combate à fome] e pelo Dom Mauro Morelli [Bispo emérito de Duque de Caxias. Bastante ativo politicamente em campanhas contra a fome]. O Itamar respeitou as indicações da sociedade...
Rui Xavier: O Betinho participa do Conselho da Comunidade Solidária...
Luiza Erundina: Participa, mas eu digo: o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional [Consea] que era o Conselho da Cidadania, ele era constituído por pessoas da sociedade, indicadas por instituições da sociedade, por movimento da sociedade. O conselho da comunidade solidária não, é princípio deles. Quer dizer, é critério deles não incorporar pessoas que representem setores da sociedade. Querem personalidades, querem não ter por trás de si nenhuma delegação.
Rui Xavier: Qual é a diferença que a senhora vê entre o presidente Itamar e o presidente Fernando Henrique? Qual é a sua avaliação nisso?
Matinas Suzuki Jr.: E como a senhora avalia a participação da senhora no Ministério?
Luiza Erundina: Primeiro, são pessoas diferentes, com temperamentos diferentes, que conduzem o governo de [forma] diferente...
Rui Xavier: [interrompendo] Eu digo em termos de competência, em termos...
Luiza Erundina: O Itamar era até mais independente em relação as forças de direita. Em certos momentos, ele manifestava posições divergentes da direita, ele enfrentou Antônio Carlos Magalhães [(1927-2007), empresário e político baiano com influência muito grande em seu estado, figura de sustentação dos governos militares, continuou influente nos governos pós-abertura política]. Hoje não, o Fernando Henrique é refém dessas forças, não tem determinado... ou porque ele não consegue se autonomizar em relação a essas forças ou porque ele está convencido desse modelo neoliberal [neoliberalismo] que está aí, que é excludente, que é comprometedor da soberania nacional...
[Sobreposição de vozes]
Luiza Erundina: Que gera o país, que chegou nesses dois últimos anos a façanha de ser o país de maior concentração de renda do mundo.
Matinas Suzuki Jr.:[interrompendo] Quando a senhora deixou o governo a senhora criticou o presidente Itamar. Como a senhora avalia a sua participação no governo Itamar?
Luiza Erundina: Olha, eu faria do mesmo jeito. Eu aceitaria de novo se os motivos que me fizeram ir lá existissem. Nos quatro meses e meio que eu estive...
Matinas Suzuki Jr.: E os [motivos] da saída?
Luiza Erundina: Foi porque exatamente eu não transigi naquilo que eu fui no governo, que era realmente procurar sanear, moralizar e corrigir as distorções, os erros que existiam lá. E fazer reformas, nós iniciamos uma reforma.
[...]:  Estabilidade a senhora falou?
Luiza Erundina: A estabilidade nós tratamos dentro de uma questão mais estrutural do funcionalismo público. Nós iniciamos um processo de construção de uma proposta...
Francisco Pinheiro: [interrompendo] Mas a senhora é a favor da manutenção da estabilidade do funcionalismo público?
Luiza Erundina: Olha, eu não trato a estabilidade isolada de um plano de cargos e carreira, de um contrato coletivo de trabalho, de uma questão da isonomia salarial, de uma política de recursos humanos, que é a limitação...
Carlos Eduardo Alves: [interrompendo] Nos termos que a estabilidade está hoje, dona prefeita, nos termos que a estabilidade que está hoje, a senhora é favorável ou contra?
Luiza Erundina: Olha, ela não acrescenta nada...
Carlos Eduardo Alves: Ela ajudou ou atrapalhou a administração da senhora, em São Paulo?
Luiza Erundina: A estabilidade? Não atrapalhou. Porque eu soube combinar com esses outros elementos que compõem uma proposta estrutural dentro da política de recursos humanos.
Rui Xavier: A estabilidade do servidor, prefeita, não traz um corporativismo danoso para a administração pública?
Luiza Erundina: Não. Se você associar isso com outros mecanismos... O que eu tenho dito é o seguinte: mais importante que a estabilidade do servidor é a estabilidade da função pública, que daria estabilidade ao Estado. Porque no Brasil, a cada quatro anos vem um número de servidores comissionados, contratados a título ou admitidos para cargos de confiança. E os quadros permanentes ficam alijados. Com o tempo, eles vão sendo, alguns deles, incorporados. E há uma descontinuidade, há um desinteresse. E não há um processo de desenvolvimento desses recursos, não há uma estabilidade dessas funções ligadas a essas pessoas. Por isso eu acho que a proposta do Bresser [Foi ministro da Fazenda durante o governo José Sarney (1985-1999). Foi ministro da Administração Federal e Reforma do Estado no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998)] é uma proposta limitada, é uma proposta meramente administrativa. Até agora as propostas que ele encaminhou... [Bresser implementou reformas que limitaram a contratação de funcionários públicos com direito a estabilidade. Os estados, municípios e a federação passaram a contratar pela CLT, norma que rege os direitos dos trabalhadores do regime privado]
Francisco Pinheiro: [interrompendo] Seu partido vai apresentar alguma alternativa a essa proposta?
Luiza Erundina: Espero que sim. Pelo menos nós estamos com um projeto aí. Não é do PT, mas são petistas que estão fazendo, que é o projeto de contrato coletivo de trabalho, que é muito mais amplo do que a questão especificamente do contrato coletivo de trabalho. Nós vamos trabalhar com a questão do plano de cargos e carreiras de salário, a questão de greves.
Rui Xavier: Ele trata a questão do funcionalismo público do trabalho também?
Luiza Erundina: Sim, é para o funcionário público da administração do trabalho.
Rui Xavier: Contrato público da administração do trabalho?
Luiza Erundina: Contrato coletivo.
Rui Xavier: Prefeita, desculpe, ele trata dessa questão do corporativismo, do funcionalismo público?
Luiza Erundina: Corporativismo é um comportamento. Que você muda...
Rui Xavier: [interrompendo] Existe?
Luiz Erundina: Existe o corporativo? Claro que existe. O corporativismo, inclusive, é um dado cultural, porque ele foi estimulado. Quer dizer, a pessoa não é corporativista.
Francisco Pinheiro: Qual é o peso na administração federal?
Luiza Erundina: É muito grande ainda. Porque o poder público, o Estado, a sociedade...
Francisco Pinheiro: Não interessa a setores do seu partido, setores do PT, em manter esse corporativismo como um moderno pólo eleitoral? Me desculpe a expressão.
Luiza Erundina: Não se colocou outra alternativa para eles [os funcionários públicos]. E não se colocou diante dos servidores públicos a sua condição de cidadão a serviço de outros cidadãos. Nós não trouxemos, para se confrontar com o servidor público, eventualmente fechado nas suas demandas específicas e corporativas, as demandas dos outros segmentos da sociedade, inclusive das classes trabalhadoras... Então você tem que criar fóruns em que não só os sindicalizados, aqueles que estão incorporados numa categoria de trabalhadores... traz também a sociedade - sobretudo a sociedade a quem esse servidor presta serviço público - e procura colocar e confrontar interesses. Há um conflito de interesses. E a questão orçamentária. Você tem que pôr o servidor público e a população demandando, pressionando e participando na hora da construção do orçamento, que é uma peça importante, inclusive para diluir o corporativismo. A pressão para recursos a partir de lobbies...
Matinas Suzuki Jr.: Prefeita, agora a máquina é maior do que deveria ser?
Luiza Erundina: Olha, ela é irracional na sua concepção. Não é maior no número de servidores. Eu tenho um dado importante. Por exemplo, a relação de número de empregos num país como os Estados Unidos, em relação ao número de empregos públicos naquele mesmo país. Lá é de sete por um...
Matinas Suzuki Jr.: Sempre tem esse argumento e sempre tem um argumento contrário, que é a relação desses trabalhadores com o PIB daquele país. Aí isso diminui muito o funcionário público.
Luiza Erundina: Não, eu não estou me referindo ao PIB, eu estou me referindo ao número de empregos na iniciativa privada e no serviço público... Na Inglaterra, é de cinco por um. Isso na era Thatcher [Margaret Thatcher] Por exemplo, na Suécia, antes do fim da social democracia: na Suécia é de três por um. No Brasil, é de oito por um, na era Collor [1990-1992]. Oito por um.
Matinas Suzuki Jr.: Quer dizer, os adversários dessa tese dizem que quando a senhora estabelece essa proporção entre o PIB do país ou a população economicamente ativa e o número de trabalhadores os números do Brasil são altos. Mas sobre a gestão da senhora pesa a acusação, os seus adversários dizem, de ter inchado muito a máquina. Isso é verdade?
Luiza Erundina: Não, não é. Porque eu expandi os serviços sociais. O principal insumo na produção de serviços públicos são os recursos humanos, certo? Eu disse, eu acabei de dizer, eu construí seis hospitais. Eu expandi a rede de creches. Eu expandi a rede de escolas. Eu criei outros serviços. Eu precisava de recursos humanos, e não são muitos.
Matinas Suzuki Jr.: Mas esses recursos humanos eram proporcionais ao crescimento? Porque é fácil administrar crescendo. Agora, como obter recursos na mesma velocidade do crescimento da máquina?
Luiza Erundina: Olha, eu aplicava uma lei que mantinha uma relação justa e razoável na destinação de recursos para a folha de pagamento. Eu tinha uma lei que estabelecia um percentual mínimo de 47% e o máximo de 58% dentro da receita. Quer dizer, eu mantinha um padrão salarial competitivo com o mercado, que era motivador, estimulador; e isso me deu condição de distribuir de forma mais racional os recursos pela cidade, criando, por exemplo, um adicional de distância. Quer dizer, a minha política salarial não foi além do limite estabelecido na Constituição Federal, que é de 60% da recomendação. Os reajustes se davam, de acordo com a receita, de 47% o mínimo e 58% o máximo. Isso dava uma condição justa de salário, e conseqüentemente uma boa qualidade de serviço. E isso não criava grandes problemas no orçamento.
Matinas Suzuki Jr.: Mas a senhora... Então, crescia a máquina proporcionalmente a uma arrecadação do município?
Luiza Erundina: Não há necessidade de serviços. Porque você resolve um problema financeiro e orçamentário de acordo com os objetivos e o seu programa de governo. Se você faz o inverso, você é um mal administrador. E eu não fiz dívida, eu sanei as finanças do município. Esse prefeito, em 27 meses, aumentou em 72% da dívida do município. Porque, lançando títulos da dívida municipal, que foram aprovados pelo Senado a pedido meu para poder pagar as desapropriações, que estão acumuladas há anos de forma injusta, ele está desviando esse dinheiro e fazendo túneis e viadutos. Olha, eu sanei as finanças...
Matinas Suzuki Jr.: A senhora pediu e parece que o senador Suplicy [economista, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT). Foi eleito deputado federal pelo (PT) em 1982. Foi candidato a prefeitura de São Paulo em 1985 e a governador em 1986, perdeu nas duas eleições. Em 1991 foi eleito senador por São Paulo, cargo que ocupa há mais de 15 anos] parece que votou contra a concessão para o atual prefeito. Isso é verdade?
Luiza Erundina: Mas eu pensava na cidade, e ele já era eleito. Não, o Suplicy aprovou...
Matinas Suzuki Jr.: Parece que ele foi contra, eu não tenho exatamente esse dado.
Luiza Erundina: Eu poderia ter sido estreita e ter reproduzido a prática tradicional da política brasileira: “não, como o meu candidato perdeu, é o outro que vem, o outro foi meu inimigo, meu adversário...” Eu não pensei no Paulo Maluf, eu pensei na cidade de São Paulo. Pensei nos desapropriados que estão há anos esperando uma desapropriação que, às vezes, [é] uma única casinha que ele tinha e que ficou aí descoberto... Porque deixei condições orçamentárias e financeiras para que isso fosse pago e ele está desviando para...
Rui Xavier: Prefeita, se senhora deixou condições tão favoráveis para o Paulo Maluf, por que ele fala tão mal da senhora?
Luiza Erundina: É no começo. Logo nos primeiros dias do governo dele?
Rui Xavier: Ele fala até hoje.
Luiza Erundina: Eu sei. Mas se fosse diferente era de estranhar, eu ficaria assustada. [risos] "O que eu estou fazendo de errado que o Paulo Maluf está me elogiando?". Deixa eu te dizer, no começo...
Rui Xavier: A senhora acha que se tivesse um embate com ele a senhora ganharia a eleição, aqui em São Paulo?
Luiza Erundina: Você nunca sabe, não vou garantir, não se garante nada, não sou tão pretensiosa a esse ponto. Eu acredito no meu taco, na minha vontade de luta, na confiança que o povão tem em mim. Esse povão, classe D e E, confia "para chuchu" em mim. [E] Nas classes médias, que me testaram e viram que eu correspondi no ponto de vista de competência, de confiança e de seriedade. Modéstia à parte, esse é um patrimônio que eu não abro mão, está certo? No começo do governo dele, sabe o que ele dizia? Me criticava, que eu fui tão incompetente que não deixei dívida, que não fiz dívida... Foi uma das queixas dele. Agora, ele diz que não, que a minha dívida era maior, porque ele não tem conseqüência naquilo que ele fala.
Carlos Eduardo Alves: Prefeita, eu queria falar de um projeto imediato da senhora, que é... a senhora está entrando, agora, nos próximos meses, numa batalha para conseguir uma candidatura no PT. Para enfrentar, na ótica do PT, o malufismo, e para enfrentar uma eleição. O que diferencia a senhora e o Mercadante? Claramente, o que significaria uma candidatura Erundina e uma candidatura Mercadante, para o PT e para a cidade?
Luiza Erundina: Primeiro, eu espero que haja mais candidatos, não só eu e o Mercadante. Segundo, eu acho... nem aceito uma prévia este ano por isso, porque o quadro eleitoral não está dado.
Carlos Eduardo Alves: Mas o que significaria em tese prefeita? O que diferencia da senhora para o Mercadante? Qual a diferença da senhora para o Mercadante?
Luiza Erundina: Eu tenho uma inserção nas camadas populares que ele não tem. Eu tenho uma experiência de governo que ele não teve ainda.
Carlos Eduardo Alves: Mas a senhora no passado não tinha. Na primeira vez ele não tinha. Esse argumento, por exemplo, foi usado contra o Lula...
Luiza Erundina: Ele é um companheiro competente, um companheiro capaz. Um...
Matinas Suzuki Jr.: Este é um argumento do Paulo Maluf, professora.
Carlos Eduardo Alves: Um argumento que sempre foi usado contra o Lula, da experiência administrativa, por exemplo.
[risos]
Luiza Erundina: Não. Mas não estou dizendo que isso neutraliza os outros aspectos que ele tenha, está certo? É bom que o partido tenha... Aliás, as experiências que o partido fez com candidato de consenso não deram certo. Na época do Plínio [de Arruda Sampaio. Advogado, auxiliou na fundação do PT. Em 1986 foi eleito deputado federal constituinte. Em 1990, candidatou-se a governador do estado de São Paulo, sendo derrotado por Luiz Antônio Fleury Filho, do PMDB], candidato a governador; na época do Suplicy, candidato a prefeito [em 1985]. Na minha avaliação, a militância não teve um nível de envolvimento e de comprometimento na campanha que tem e teve quando tem um prévia, quando duas candidaturas estão em disputa.
Carlos Eduardo Alves: Politicamente existem diferenças entre a senhora e o Mercadante?
Luiza Erundina: Não. Em termos de propostas, acredito que não. Você pergunte a ele também. Mas do ponto de vista de perfil, de uma pessoa que tem um perfil, uma exceção, uma experiência nessa cidade de 24 anos, não só como prefeita, mas como assistente social. Trabalhei nessa periferia brava da cidade como vereadora, como deputada, como prefeita. E então, eu acho que eu tenho um “cacife” e um respeito na cidade que isso possa ser tirado sido em votos fora. Porque eu estou preocupada não é só... é [também com] a viabilidade eleitoral. Se, em um dado momento, a gente entender que em função das outras candidaturas que estão postas, outra candidatura que não a minha seja a mais viável do ponto de vista eleitoral, vamos conversar. Eu não sou carreirista, mas eu tenho um papel político na história dessa cidade e desse país, isso sem nenhuma falsa modéstia.
Márcia Bongiovanni: Falando na experiência da prefeitura, eu queria voltar. Como é que foi a experiência de estar no poder, de mudar de lado, estar lá na situação e enfrentar a oposição, inclusive do seu próprio partido?
Luiza Erundina: É muito difícil, mas é muito pedagógico. Eu aprendi muito e acho que o partido também aprendeu. E essa tensão vai existir sempre. Eu me lembro que, logo no começo do meu governo, nós promovemos um seminário internacional em que vieram prefeitos do mundo inteiro, de grandes cidades. Eu e me lembro que, naquela ocasião veio um prefeito de Bolonha, que estava aí, e era pelo PCI [Partido Comunista Italiano] - hoje  PDS [Partido Democrático de Esquerda] italiano - e ele me dizia...
[...]: Partido Comunista.
Luiza Erundina: E a gente se queixava, naqueles primeiros meses do governo a gente já se queixava dos problemas que tinha na relação com ao partido, e [ele] diz: “Vocês agora que estão começando, estão achando isso problemático? Nós estamos há quarenta anos no governo e ainda temos problema”. Na relação com o partido. Por quê? Porque é da natureza de um partido de oposição, que tem um compromisso de transformação estrutural da sociedade, conviver com uma instância de governo extremamente limitada. Porque o município não tem poder, tem um poder muito limitado. E com uma correlação de forças na sociedade extremamente desfavorável; e com propostas nossas, de oposição, que estimulamos, que não eram realistas do ponto de vista de governo. Eu mudei com o governo. Mas não porque eu estava doutro lado. Eu mudei porque eu vi, no concreto, na prática, que aquilo que nós defendíamos como oposição, de forma intransigente, sem querer negociar nada, [não] era problema de vontade política. E nem tudo é questão de vontade política. E essa é uma tensão. Eu aprendi muito com ela. Hoje eu sou mais pé no chão. Sou mais tolerante com os meus adversários, com os meus inimigos políticos. Eu entendo melhor, hoje, os limites do poder. Quem está do outro lado imagina que ele seja um poder absoluto, [que] é uma questão de vontade; e não é. E é disso que a gente aprende. O PT, hoje, depois dessas prefeituras todas é que ele está tendo condição de se rever, de rever o seu projeto, de saber como lidar com a questão institucional no Congresso e com a questão institucional no executivo. Ao mesmo tempo no movimento sindical, no movimento comunitário. Quer dizer, esse caldo de cultura está mudando a cultura de um partido que nasceu da luta de resistência da ditadura militar, com uma concepção marxista [marxista] e socialista [socialismo]. E hoje está sendo revista, está sendo reciclada enquanto proposta de esquerda e socialista no mundo. Não é negar os valores, os princípios, [negar] a proposta socialista. Mas, sem dúvida, não tem o mesmo conteúdo, não tem os mesmos métodos, não tem as mesmas estratégias do passado. Porque esse socialismo não existe mais. O socialismo burocrático não existe mais.
Francisco Pinheiro: Que tipo de socialismo é possível para o Brasil?
Luiza Erundina: Ele tem que ser construído em discussão com a sociedade, ele certamente passa pela radicalização da democracia.
Francisco Pinheiro: Que característica ele teria? Ele teria, por exemplo, um grande presença do Estado na economia?
Luiza Erundina: Um Estado regulador sim, mas um Estado transparente. E um Estado que estabeleça canais de relação com a sociedade...
[sobreposição de vozes]
Carlos Eduardo Alves: Seria nos moldes da social-democracia clássica, com a presença do Estado gerindo alguns setores, ou não?
Luiza Erundina: Ele tem suas funções próprias. Ele deve regular as relações na sociedade, mas ele tem que ser controlado e fiscalizado pela sociedade civil. Quem deve definir o tamanho do Estado, quem deve definir as funções do Estado e o grau de controle desse Estado é a sociedade. Na perspectiva da democracia direta, convivendo com a democracia representativa, é essa a perspectiva do socialismo. Quer dizer, é radicalizar a democracia na perspectiva de construí-la, combinando a democracia representativa com a democracia direta. E dando autonomia à sociedade civil. Eu acho que essa é uma utopia e um sonho que vale a pena lutar por ela.
[sobreposição de vozes]
Matinas Suzuki Jr.: Um de cada vez, por favor.
Carlos Eduardo Alves: Vai além da social democracia?
Luiza Erundina: Claro que vai.
[sobreposição de vozes]
Matinas Suzuki Jr.: Um de cada vez.
Francisco Pinheiro: Socialismo marxista, prefeita?
Luiza Erundina: Não, ela é socialista. O marxismo como instrumento de análise da realidade é tão atual como em qualquer época...
Francisco Pinheiro: Mas por ser um Estado socialista...
Luiza Erundina: O desvirtuamento não foi o marxismo enquanto teoria política e teoria filosófica. A falência foi na forma de concretizar a concepção marxista de homem, de sociedade.
Francisco Pinheiro: Mas a concepção marxista de modo de produção cabe em uma  proposta do Estado socialista, hoje?
Luiza Erundina: A forma de produção, a combinação, a distribuição. Não é só a produção. É a produção, a distribuição, e isso referido ao processo econômico mundial. Quer dizer, nós não podemos mais imaginar um modelo, nem de Estado, nem de nação, nem de economia, ignorando a globalização da economia. A internacionalização da economia.
Marco Damiani: Qual país chega perto disso de que a senhora está falando?
Luiza Erundina: Esse é um quadro que está se construindo, quer dizer...
Marco Damiani: Nenhum, prefeita?
Luiza Erundina: Nenhum, por enquanto... Mas nos acabe a responsabilidade e não temos que copiar sempre dos outros. Por que não nos habilitarmos e nos credenciarmos para construir uma proposta dessas?
Dario Palhares: O que é ser de esquerda, hoje? A senhora citou agora há pouco que a sociedade precisa discutir o tamanho do Estado. Mas acabou de ser citado aqui dentro que a população é favorável à quebra dos monopólios. A população está contente com o fim da CMTC. E aí eu sinto que a senhora...
Luiza Erundina: Eu não concordo que a população está contente com o fim da CMTC. Pergunta se a população está contente... Veja bem, não, companheiro...
Dario Palhares: A senhora não está [contente com o fim]... Bom, com bases em dados que foram citados aqui [ela está]. Mas a impressão que a senhora nos dá é que a esquerda está perplexa, há cinco anos.
Luiza Erundina: Está. Não estou dizendo... Evidente.
Dario Palhares: E continua perplexa com a oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso...
Luiza Erundina: É evidente.
Dario Palhares: Tal a surra que tomou no primeiro semestre...
Luiza Erundina: Não estou negando isso.
Dario Palhares: O que é ser de esquerda?
Luiza Erundina: É ser radicalmente democrático, é acreditar na capacidade de dar a oportunidade às pessoas para serem cidadãs, universal, sem descriminar ninguém.
Francisco Pinheiro: Quem é de esquerda no mundo hoje? A senhora teria algumas pessoas que a senhora admiraria como pessoa de esquerda? Eu estou falando em termos... A senhora admiraria [quem] como líderes políticos de esquerda no planeta, hoje?
Luiza Erundina: Não precisa ser no planeta, no Brasil.
Francisco Pinheiro: Vamos embora no Brasil. Brizola?
Luiza Erundina: No Brasil. Os nossos companheiros de partido são de esquerda...
Francisco Pinheiro: Exceto o PT.
Luiza Erundina: Não, não.  De outros partidos. Há setores do PSDB, há setores.
Francisco Pinheiro: Quem do PSDB?
Luiza Erundina: Olha, setores que estão aí se insurgindo contra essa política neoliberal do Fernando Henrique Cardoso, são homens de esquerda... a própria Lídice da Mata [Economista e política baiana, foi deputada federal. Mais tarde filiou-se ao PSB], está certo? São pessoas que estão insurgindo contra essa política neoliberal. Por quê? Por causa dos seus compromissos de esquerda. Apesar de estarem com o partido, que não é mais nem social democrata, é um partido...
Carlos Eduardo Alves: Prefeita, o Fernando Henrique está no [...] de companheiro da senhora a longos anos...
Luiza Erundina: Ele está negando. Ele esqueceu o que escreveu. Inclusive, o que escreveu muito recentemente. E aquilo que ele escreveu na campanha eleitoral o senhor Fernando Henrique Cardoso sobre o Lula, esqueceu muito rapidamente.
Francisco Pinheiro: Parece que a proximidade dele com o poder fez enxergar o ACM “Toninho Ternura”, ao invés de Malvadeza [Antônio Carlos Magalhães já foi apelidado de "Toninho Malvadeza" por seus adversários], não é?
Luiza Erundina: Esse é o perigo. É.
Francisco Pinheiro: Toninho Ternura.
Luiza Erundina: Exatamente.  Que é sensível socialmente... É que ele {Fernando Henrique] não viveu no Nordeste. Se ele tivesse vivido no Nordeste o tempo de vida do Antônio Carlos Magalhães e companhia...
Francisco Pinheiro: ...ele não enxergaria o lado ternura do ACM?
Rui Xavier: O Itamar é de esquerda, prefeita?
Luiza Erundina: O quê?
Rui Xavier: O ex-presidente Itamar era de esquerda?
Luiza Erundina: Não é, não é de nada. Porque ele não tem clareza política.
Matinas Suzuki Jr.: Não é de nada em que sentido?
[risos]
Matinas Suzuki Jr.: Era bom a senhora esclarecer.
Luiza Erundina: Ele não tinha um projeto, sabe? Até porque ele não se preparou para isso. Ele não imaginava [que iria chegar] à Presidência. E ele foi inteligente quando convocou, convidou a esquerda para governar junto com ele... E você não tem espaço vazio na política, [então] ele governou com a direita. Mas com muito mais autonomia, com muito mais iniciativa do que Fernando Henrique Cardoso.
Matinas Suzuki Jr.: Prefeita, eu tenho aqui... a senhora está sendo submetida ao crivo dos nossos entrevistadores. E eu tenho aqui várias perguntas de telespectadores do Brasil inteiro, que resolveram questionar um pouco o poder da imprensa, o papel da imprensa. O Reginaldo Passos, de São Paulo; o Juliano Xavier, de Porto Alegre; a Edna Canelas, daqui de São Paulo, Santa Cecília; o Erasmo Alencar de Picos, do Piauí; o Fernando Chatannie, do Rio de Janeiro; e o Vinícius, que é advogado lá em Araguaína, no estado de Tocantins, perguntam: “Como a senhora analisa o comportamento da imprensa em relação a sua administração e a todas as administrações petistas”?
Luiza Erundina: Olha, a imprensa, a mídia em geral é um poder fantástico. Até se diz que é o quarto poder. E esse poder, certamente, não está sobre o controle da maioria. Esse poder está sob o controle de uma minoria, de uma elite que conseguiu essas concessões ao arrepio da lei, como tem acontecido. Portanto, é um poder comprometido com os interesses de uma classe, de uma minoria, de uma elite. Conseqüentemente, esse poder nunca vai se colocar a serviço de um projeto democrático e popular que pretende, inclusive, democratizar a concessão desses poderosos meios de comunicação. Porém, as coisas não se dão de forma monolítica, definitiva, mecânica. Quer dizer, essa mídia também está submetida às pressões da sociedade. Então, sem essa mídia, a sociedade brasileira não tinha se livrado do presidente corrupto, o Collor. Evidente que ela tem suas antenas também ligadas à sociedade civil. Mas a sociedade civil sem ela também teria muita dificuldade de promover aquele movimento cívico, que gerou aquela lição para o mundo, de democracia e civismo. Então, como as coisas não são mecânicas, não são monolíticas, há os agentes que operam esse poder. E aí os comunicadores do meio de comunicação... porém munidos por regras, por orientação de um poder que não dá [espaço] a não ser àqueles que já conseguem um status como profissional, que conseguem, inclusive, ter uma independência e uma autonomia no seu veículo, que não necessariamente está submetido a certas injunções... Mas houve canais de televisão aqui que não registravam nenhum evento em que eu estivesse. Grandes eventos, por exemplo, a inauguração do Vale do Anhangabaú. Quando eu fui entregar a taça - que eu [enfatiza] deveria ter entregado ao primeiro, porque eu recuperei aquilo [refere-se ao Grande Prêmio de Fórmula 1] e conquistei o Grande Prêmio para São Paulo -, mas estava assumindo o Collor, era o presidente, ele deu na hora e eu fui entregar a taça ao segundo. E a câmera da Globo tirou para não me projetar. Quando eu fui inaugurar a obra do Vale do Anhangabaú, eles foram antes para poder não colocar a minha imagem. Isso foi o tempo inteiro, está certo? Então, foi um boicote, um cerceamento. Vocês não lembram da campanha contra o IPTU [Imposto Predial Territorial Urbano], o IPTU progressivo e que fez a cabeça do povão? Eu nunca me esqueço de um fato lá no Campo Limpo, na periferia. Eu estava lá em uma plenária popular, conversando, e estava uma senhora muito irritada com o IPTU, com o meu IPTU. Aí eu perguntei: “olha, quanto a senhora vai pagar de IPTU, quanto está pagando?” [E ela:]“Eu não vou pagar. Mas eu estou com pena da pobre da Hebe Camargo [apresentadora de TV], que vai pagar muito o IPTU da casa dela, da mansão dela”. Quer dizer, a mídia é tão poderosa que é capaz de fazer a cabeça daquele que está isento de IPTU; porque ele se convence que o IPTU é exagerado, é injusto, mesmo que não o atinja. E o nosso IPTU tinha alíquotas muito menores do que as que estão sendo adotadas hoje. E não tem nenhuma campanha contra esse IPTU. Nós inovamos, incluindo a progressividade do IPTU, que é uma das coisas mais justas. Perdi na Justiça naquele momento, na Câmara...
Matinas Suzuki Jr.: Por que a senhora acha que perdeu e o prefeito Paulo Maluf conseguiu [implementar a progressividade do imposto, em que os imóveis de maior valor pagam alíquotas maiores]?
Luiza Erundina: Não, não foi o Paulo Maluf. O judiciário deu ganho de causa; e o Paulo Maluf, agora, vai arrecadar quatrocentos milhões. Eu lamento isso, sabe por quê? Eu teria zerado o déficit de vagas nas escolas públicas da cidade se eu tivesse tido aqueles quatrocentos milhões em 1992. Eu teria construído mais quarenta novas escolas, eu teria zerado o déficit de vagas para crianças de sete a 14 anos. Então, esses quatrocentos milhões que as pessoas que não pagaram... e são pessoas ricas, pessoas que têm imóveis caríssimos, que têm imóveis ociosos. 
Francisco Pinheiro: E reclamam dos meninos nas portas dos carros nos sinais de São Paulo.
Luiza Erundina: Eu disse várias vezes: esse dinheiro, eles devem ter aplicado aumentando a altura dos muros em torno de suas mansões e aumentando o contingente de guardar policiais para lhes dar segurança. Porque quanto mais criança na rua sem escola, quanto mais indigente, quanto mais população de rua, menos segurança para os que têm dinheiro. Quer dizer, a insensibilidade neste país é fantástica. Não é por acaso que este país [possui] a maior concentração de renda do mundo e que os 10% mais ricos ficam com 5,1% da renda e os 20% mais pobres ficam com 2,5% da renda. Isso é escândalo, isso é inaceitável. Isso tem que ser denunciado. Nós não podemos conviver com esses índices, é injusto. O país que é a nona economia do mundo na sua produção industrial conviver com essa fantástica concentração de renda, isso um demérito deste país fora do Brasil. Isso nós não podemos conviver com isso.
Matinas Suzuki Jr.: Prefeita, é verdade que a senhora criou juridicamente o banco da cidade de São Paulo?
Luiza Erundina: Que banco da cidade de São Paulo? 
Matinas Suzuki Jr.: Que a cidade de São Paulo teria direito a criação de um banco e esse banco foi encaminhado, um pedido pelo menos, para ao Banco Central para a constituição desse banco?
Luiza Erundina: Foi encaminhado e não conseguimos. É verdade.
Matinas Suzuki Jr.: Mas para que São Paulo precisa de um banco, prefeita?
Luiza Erundina: Para administrar o terceiro orçamento do país.
Matinas Suzuki Jr.: Mas não é... A cidade não viveu até agora sem um banco e não aconteceu nenhum problema grave com a cidade? Se criar mais um banco?
Luiza Erundina: Mas os meus técnicos, que foram extremamente competentes, inovaram de forma fantástica no gerenciamento das finanças desta cidade. Até conseguimos conviver só com as receitas próprias, não recebi nenhum centavo de nenhum ao nível do governo, nem aval para contrair empréstimos externos. Ainda tive que pagar 700 bilhões de dólares de dívidas de governos anteriores. Então, eles me asseguravam...
Matinas Suzuki Jr.: Isso não parece... Desculpe, mas aos olhos da sociedade parece conversa de política, "O meu banco, na minha administração, ele funciona". Agora, o que virá com o próximo prefeito? O que vai fazer com o banco?
Francisco Pinheiro: [interrompendo] A senhora não temeria...
Luiza Erundina: Não era para mim.
Matinas Suzuki Jr.: "Eu não tenho responsabilidade..." [Fala como se fosse um político eximindo-se das consequências futuras]. E aí, nós temos Banerj [Banco do Estado do Rio de Janeiro], Banespa [Banco do estado de São Paulo].
Francisco Pinheiro: [interrompendo] Matinas, só uma coisa. A senhora não temeria o banco na mão do seu sucessor, não?
Matinas Suzuki Jr.: Por exemplo.
Luiza Erundina: Não...
Francisco Pinheiro: [interrompendo] Quando ao seu sucessor...
Luiza Erundina: Eu governei São Paulo, mas eu não pensei na administração seguinte, mesmo que fosse do PT...
Francisco Pinheiro: Não, eu digo a atual, a senhora não temeria o banco [nas mãos dela], não?
Luiza Erundina: Eu sempre me coloquei... eu quis administrar essa cidade pensando no século, no outro século.
Francisco Pinheiro: Mas passaria pela atual administração?
Luiza Erundina: Não tem importância. Enquanto a gente não mudar essa cultura política, de fazer governo pensando na sua sucessão... Olha, gente, eu governei até o último minuto do último dia, [até] as vésperas. No final do terceiro ano de governo, que ia entrar no ano eleitoral, o que eu exigi do meu secretariado e do pessoal de primeiro escalão, administrador regional? Quem for sair candidato me entregue o cargo no final do ano, que é exatamente para a gente poder substituir, com outras pessoas, que me dessem condições de governar esta cidade até o último dia. E eu governei até o último dia, no dia que entreguei o meu mandato. O meu antecessor [Jânio Quadros] não quis se dignar de entregar o cargo a mim, mas eu fiz questão de entregar o cargo ao meu sucessor. Porque daquele momento em diante ele era prefeito da cidade. Então, eu quis esse banco para São Paulo, não era para o meu governo nem para a minha administração, São Paulo teria a vantagem.
Matinas Suzuki Jr.: Teria mais um Banespa [Banco do Estado de São Paulo, que então enfrentava dificuldades financeiras. Mais tarde foi privatizado], desculpe, prefeita. Teria mais um problema imenso para ser administrado, mais um rombo...
Luiza Erundina: Não necessariamente. Não tinha um Quércia, um Fleury. Quem acabou com o Banespa foi o Quércia [Governador do estado em 1986. Foi um dos fundadores do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB)], o Fleury [Governador do estado de São Paulo entre 1991 e 1995, pelo PMDB] E eu tinha...
Matinas Suzuki Jr.: A situação do estado hoje é complicada, imagina que...
Luiza Erundina: Não se preocupe... Eu tentei outras coisas. Por exemplo, eu tentei um canal de TV e de rádio para a cidade de São Paulo, a exemplo da Fundação Padre Anchieta. Como você se comunica numa cidade de dez milhões de habitantes se você depende só de espaços comprados, caríssimos? O que dificulta levar informação aos munícipes para poderem [os cidadãos] inclusive controlar, fiscalizar e participar da gestão, do controle dessa gestão. Eu não consegui. Os grupos conseguem, extrapolando os limites da legislação, a concessão de dezenas de rádios, TVs. A cidade de São Paulo não foi contemplada com a concessão de um canal de rádio e TV. Tipo Fundação, não era para o governo Luiza Erundina, não. Era um tipo Fundação como esta aqui, que temos que lutar por ela, fortalecê-la, porque isso é uma condição de melhorar a comunicação neste país. Quer dizer, é um dos poucos exemplos de mídia televisiva com qualidade que tem - educa, informa e forma. Então, eu queria uma coisa dessas para São Paulo. Mas, infelizmente, não tive força junto ao governo federal.
Matinas Suzuki Jr.: Prefeita, a Fundação agradece bastante às suas palavras. O que a senhora faz atualmente? Qual é o cotidiano da senhora?
Luiza Erundina: Minha agenda não comporta...
Matinas Suzuki Jr.: A senhora está dando aula?
Luiza Erundina: Eu não fiquei nenhum dia na cadeira de balanço fazendo crochê, eu te garanto.
Matinas Suzuki Jr.: A senhora está dando aula?
Luiza Erundina: Em 1993, eu dei aula como professora visitante na Universidade Federal de Ouro Preto. Este ano, eu estou como professora visitante na Universidade Federal de Juiz de Fora. E, agora, no segundo semestre, vou dar um curso de mestrado na [Fundação] Getúlio Vargas, na administração de empresas. E tenho percorrido o país coordenando essa pesquisa sobre o contrato coletivo de trabalho. E atendido uma demanda por seminários, palestras, no movimento sindical, nos movimentos populares, no meu partido, [no] país inteiro. Realmente eu tenho uma agenda pesada.
Matinas Suzuki Jr.: O nosso tempo está acabando, mas eu gostaria de transmitir à senhora a pergunta da Rosimeire, de Guarulhos: “Quando prefeita, a senhora usava sempre uma borboleta, que ao meu ver é o símbolo mais bonito e maior. Cadê a borboleta?”
Luiza Erundina: É verdade. Estou sentindo falta dela também. Eu gosto da borboleta, eu tenho várias, tenho uma coleção de borboletas.
Matinas Suzuki Jr.: Prefeita, muito obrigado pela sua presença no Roda Viva esta noite.
Luiza Erundina: Obrigado você.
Matinas Suzuki Jr.: Eu gostaria de agradecer a nossa bancada de jornalistas entrevistadores. Gostaria de agradecer bastante a atenção e a participação do telespectador; e lembrar que o Roda Viva volta na próxima segunda feira às dez e meia da noite, até lá. Uma boa noite e uma boa semana para todos.  
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http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/401/entrevistados/luiza_erundina_1995.htm
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