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sábado, junho 30, 2007

EDITORIAL: FAMÍLIA & SOCIEDADE

EDITORIAL – 30 de junho de 2007.

FAMÍLIA [In:] O RESGATE (PARTE ÚNICA)

Ontem os jornais estamparam a foto da professora Eunice Martins, que ensina numa escola pública de São Bernardo Campo (SP), cuja imagem mostrava sua mão enfaixada pelo fato de seu dedo ter sido dilacerado por um aluno de 9 anos, quando a professora tentava retirá-lo do banheiro da escola, para que o mesmo voltasse à sala de aula de uma outra colega. Ao tentar abrir a porta, o aluno num impulso fechou a porta bruscamente sem que ela tivesse tempo de retirar a mão. Como se não bastasse, essa professora foi uma das vítimas de alunos, em escolas, nas últimas semanas. Houve o caso do assassinato a tiros do professor de educação física na frente de seus alunos, por um pintor de paredes, no dia 27, no ginásio de esportes em Biguaçu (SC). Igualmente, há duas semanas, outra professora fora espancada por dois estudantes, em Votorantim (SP), com um golpe de “voadora” [golpe em que a pessoa salta e chuta o rosto do outro] que lhe arrancou alguns dentes. Outra notícia dá conta que um aluno de 14 anos incendiou o cabelo de uma professora com um isqueiro durante uma aula de ciências, no dia 19, na escola estadual Darcy Frederico Pacheco, em São José do Rio Preto (SP). A violência urbana praticada por jovens de todas as classes sociais passou, diariamente, a fazer parte do noticiário. Como verificado, a violência não fica restrita às escolas e aos bairros pobres das grandes cidades, nem mesmo ao estado de São Paulo. O caso da doméstica espancada e roubada na madrugada de domingo (24) por cinco jovens de classe alta, moradores na Barra da Tijuca (RJ) ilustra bem o cotidiano da violência urbana que se alastrou pelo País.
.../
Estes casos nos conduzem, invariavelmente, a lembrar algumas frases célebres e sábias, de Rui Barbosa: “A família é a célula mater da sociedade” (grifamos); de Pitágoras: “Eduquem os meninos e não será preciso castigar os homens” (grifamos) e algumas bíblicas. Em Deuteronômio [5:1]: “E chamou Moisés a todo o Israel, e disse-lhes: Ouve, ó Israel, os estatutos e juízos que hoje vos falo aos ouvidos; e aprendê-los-eis, e guardá-los-eis, para os cumprir (grifamos); [6:6-7] “E estas palavras que hoje te ordeno estarão no teu coração, e as ensinarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa e andando pelo caminho, e deitando-te e levantando-te” (grifamos). Em Provérbios [22:6]: “Educa a criança no caminho em que deve andar, e até quando envelhecer não se desviará dele” (grifamos). E, por Paulo, em Efésios [6:4]: “E vos pais, não provoqueis à ira a vossos filhos, mas criai-os na doutrina e admoestação do Senhor” (grifamos). E, em Mateus [7:24-25], se referindo 'a essas palavras ditas por Jesus: “Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras e as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificou sua casa sobre a rocha. E desceu a chuva, e correram os rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa e não caiu, porque estava edificada sobre a rocha” (grifamos). E todas essas palavras indicam uma posição inconteste: a necessidade imperiosa [do resgate] da educação no seio das famílias.
Cremos que talvez nem fosse o mais indicado tomarmos, como exemplo aqui, a maneira como fomos educados na infância. Não obstante, assumiremos este risco, na tentativa de demonstrar que a educação familiar (informal) deve preceder a educação escolar (formal), à medida que a primeira é a responsável pela formação do caráter da criança. À escola cabe [tão somente] a formação pedagógica da criança.
Devemos lembrar que somos do tempo que a criança era alfabetizada aos sete anos, quando do seu ingresso na escola. Felizmente, quando ingressamos no “primário” já conhecíamos o “a-e-i-o-u” e o alfabeto, bem como, já "[ar]riscavamos” algumas palavras da cartilha “Caminho Suave”, com a ajuda de nossa irmã, que era professora, bem como, já tínhamos alguma noção de “aritmética”. Tão logo fomos alfabetizados e pelos exemplos dos pais, irmãos [em 1961, meu irmão ingressou na Faculdade de Economia] e pelo currículo da escola tomamos gosto, inclusive, pela leitura em geral, literatura e poemas. Lemos todos os “clássicos” de Walt Disney, as fábulas dos irmãos Grimm, a “Ilha do tesouro”, e um sem-número de “gibis” (Os Sobrinhos do capitão; Zorro; Tarzan; Capitão Marvel, ...) e algumas obras “escolhidas” de Monteiro Lobato, Machado de Assis, José de Alencar, Bernardino Costa Lopes, entre outros. É necessário registrar que estudávamos numa escola pública de bairro[1]. Nela aprendíamos, além do básico, o reforço das noções de hierarquia e cidadania (hoje, tão discursada...) já sabidas das “lições de casa”.
Já no “Ginásio” [também escola pública], cujo ingresso se dava pelo “exame de admissão”, o conteúdo incluía o idioma francês (língua, literatura, artes) por duas séries, e uma literatura mais profunda, de autores nacionais e estrangeiros (por exemplo, de Jorge Amado, Afonso Lima Barreto a Victor Hugo, ou mesmo Edgar Allan Poe). Nas horas vagas nos divertíamos com as “piadas de caserna” das Revista Seleções, do “Reader´s Digest”, ou com as leituras do “Nosso amiguinho”. Ou ainda nos aperfeiçoando com o “enriqueça seu vocabulário” das Seleções. E, também lendo “O Cruzeiro, Manchete, Realidade, Vida & Saúde”. E, dessas literaturas ou matérias aprendendo distinguir, para a vida, a índole de um “Pequeno príncipe” [Antoine de Saint-Exupéry] de outro “Príncipe” [Nicolau Maquiavel]. E, porque não, saber compreender o “momentum” de um Monet, [Manet], Degas ou de Renoir “vis a vis” o contido na “impressão” de um movimento “hip-hop”? Ficamos por aqui, pois é impossível não viajar ao [no] tempo do “liceu”: “Maintenant, je vais à l'école: J'apprends chaque jour ma leçon. Le sac qui pend à mon épaule. Dit que je suis un grand garçon. Quand lê maître parle, j’écoute (...)” [“L’école”; Paul Previlon !][2]; “Meu Deus! Que é isto, que emoção a minha, quando essas cousas tão singelas narro?” [“Berço”; Bernardino Costa Lopes].
Retomando as questões de hierarquia e cidadania aprendidas em casa, através de atos que (hoje) podem ser considerados tão banais; “costumes” esses, na essência, a base do caráter de qualquer pessoa. Por exemplo, o respeito pelos mais velhos. Não estamos falando em relação aos idosos, ou da terceira idade. Estamos falando em relação ao respeito dos filhos para com os pais, alunos com os professores, crianças/jovens com os adultos, e de uma maneira geral. Lembramos do respeito que todos os alunos (toda a classe) tinham em relação à professora[3] e ao ambiente escolar. Era do “protocolo” se levantar ao recebermos visitas em sala, seja da Diretora, de outras professoras ou mesmo da(s) zeladora(s) que vinha trazer giz, algum outro material ou avisos da direção. Mesmo as “visitas” solicitavam “licença” para adentrar. Isto é hierarquia, isto é educação! Igualmente, não usávamos bonés nas salas de aulas. Quando a boina fazia parte do uniforme escolar, os alunos a retiravam e a colocavam na bolsa ao entrar para a sala. Isto porque, era ensinado em casa que não se usa “chapéu” em ambiente fechado. Não riscávamos ou escrevíamos nas carteiras; não porque não “existisse” errorex; simplesmente porque não fazíamos isso em casa. Não entravamos nas salas com sapatos embarrados nos dias de chuva (não havia asfalto na cidade); levávamos um chinelo na bolsa em substituição; alguns alunos tinham galochas. Isto porque não entravamos com os pés sujos em nossas casas. Isto é educação informal! Isto faz(ia) parte da formação do caráter dos filhos, em casa.
.../
Finalmente perguntamos: por que a maioria dos pais transferiu a educação dos filhos “in totum” para a escola e por que esta não dá conta do dever? Alguns dirão: “a vida moderna e o crescente custo de vida, fez com que a mulher (outrora, mãe-educadora) fosse para o mercado de trabalho e, por tudo isto, que os pais voltem para casa excessivamente cansados, sem paciência e tempo para os filhos...”. Por outro lado, outros dirão: “a escola também perdeu a paciência com os alunos”. Ou ainda: “os professores são mal remunerados, alguns deles, mal preparados didaticamente, as escolas (não raro) são carentes de infra-estrutura para a demanda de uma capacitação educacional, cultural e profissional para o mundo de hoje, informatizado e, por isso, com informações e fatos que chegam à velocidade do ‘byte’”.
O fato é que esses e outros motivos levaram, já algum tempo, ao desequilíbrio dos dois ambientes: o da educação informal (familiar) e o da educação formal (escolar). Nesse bojo, estamos perdendo diuturnamente, os laços familiares, o idioma escrito e falado, e a noção de Pátria.
Que diria, hoje, o conde Afonso Celso? (“Porque me ufano do meu País”).
______________________________

[1] “Grupo Escolar Theobaldo Miranda Santos”.
[2] Tradução livre: “Pelas manhãs eu vou à escola e aprendo as lições. A bolsa (mochila) que levo às costas indica que sou um grande aluno. Quando a professora fala, eu escuto (...)”.
[3] Nossa homenagem singela às professoras “Dona Calijuri” (Aninha) pelas “primeiras letras” (1º. ano); Dúnia Anjos Freitas (2º. ano), Kátia Anjos Freitas (3º. ano) e Toshie Ota (4º. ano). E, Tânia Anjo Freitas (diretora).

5 comentários:

Anônimo disse...

Natalino,
Parabéns pelo texto. Excelente. Além de escrever muito bem, você transmite algo mais que nos dá uma nostalgia gostosa de um tempo em que, o estoque de conhecimento não dobrava a cada 72 horas. Você deveria publicar esse artigo em outros veículos. Mandar para a secretaria de educação para divulgação junto aos professores da rede municipal e estadual de ensino.
Um abraço
Ivan

MEDEIROS, Natalino Henrique disse...

Ivan! sugeriram que eu mandasse tb. para a Folha-SP. Não sei! Enviei um 'emai-l' para o Prof. Ozaí para avaliação e possível publicação na Revista que ele editora. Quanto a Secretaria de Educação estou pensando... Obrigado pelas palavras e sugestão.
abs.Medeiros.
P.S. Minha professora ao 1o. ano ligou-me ontem a noite, "emocionada".

Ivan Arruda disse...

Natalino, há 35 nesta universidade, apesar das minhas incomensuráveis limitações, pude observar que os doutores existem independentemente dos títulos. Antes mesmo de concluírem o seu doutorado. Vejo você como uma dessas pessoas. Conhecimento é algo que se adquire, sabedoria é algo que se cultiva.
Relembrar com carinho e admiração dos seus primeiros professores e expressar isso é emocionante para qualquer um. Pena que a burocracia e as coisas consumam o nosso tempo e nos prive de contatos mais profícuos e ações mais edificantes.
Um forte abraço
Ivan

Anônimo disse...

Ivan! Quando assumimos o risco de escrever sobre esse tema tomando como base a maneira com que fomos educado (e não fomos exceção; era a regra!), incluímos nele, indiretamente, os aspectos da "gratidão". Razão de termos agradecido as professoras da nossa escola "primária". Penso que, se resgatassemos o tripé da educação informal: "com licença, por favor, obrigado", não seria necesário utilizarmos d'outras: "me desculpe, ou me perdoe!". Abs. (obrigado mais uma vez). Medeiros.

Anônimo disse...

Ivan! Quando assumimos o risco de escrever sobre esse tema tomando como base a maneira com que fomos educado (e não fomos exceção; era a regra!), incluímos nele, indiretamente, os aspectos da "gratidão". Razão de termos agradecido as professoras da nossa escola "primária". Penso que, se resgatassemos o tripé da educação informal: "com licença, por favor, obrigado", não seria necesário utilizarmos d'outras: "me desculpe, ou me perdoe!". Abs. (obrigado mais uma vez). Medeiros.