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sexta-feira, julho 20, 2012

PETROBRAS E OS MOINHOS DE VENTO [II]



"Graça Foster foi inábil", diz Gabrielli



Autor(es): Por Cláudia Schüffner | Do Rio
Valor Econômico - 20/07/2012
 

Graça Foster foi "inábil" disse o ex-presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, referindo-se a apresentação que ela fez, em 25 de junho, do plano estratégico da companhia recheado avaliações negativas aos projetos implementados na gestão dele frente à estatal. Logo depois, Gabrielli minimizou a declaração. Corrigindo-se, considerou que houve "falta de cuidado" e que nova presidente está fazendo uma administração de continuidade.
Gabrielli vinha distante da estatal, na Bahia, onde ocupa, desde o início de março, a secretaria de Planejamento do Estado, mas a pedido do Valor, em conversa, no Rio, frisou que não só a Petrobras como o setor mudou muito nos sete anos que esteve frente à estatal.
Graça Foster que é do estilo franco e direto, dias depois das declarações tentou suavizar as críticas e fez uma espécie de reparação pública. Passou a dizer que, também, é responsável por tudo que aconteceu na Petrobras nos quatro nos e meio, que na gestão de Gabrielli era diretora da estatal. Gabrielli não havia feito declarações mas a paz entre os dois precisou ser selada, semana passada, na Bahia, na presença da presidente Dilma Rousseff.
Na entrevista ao Valor, o ex-presidente da Petrobras falou em aumento de custos, da queda da produção de petróleo da estatal, que, segundo ele, foi causada pela falta de sondas e defendeu a polêmica construção das quatro novas refinarias no país.
Abaixo, parte da conversa:
Valor: Quais as diferenças entre sua gestão e a de Graça Foster?
Gabrielli: Ela mesmo disse que eu sou menino e ela é menina. (risos) Mas existem diferenças de estilo, é claro. Quando eu assumi a presidência da Petrobras estávamos saindo de um estágio de completa desconfiança. A partir de 2006, com o pré-sal, [a ascensão] foi vertiginosa em termos de percepção do mercado. Antes dessa fase, me lembro que logo que assumi a diretoria [em 2003] fiz 1.200 reuniões com o mercado. Foram 100 reuniões por mês com agentes do mercado. E quando a Graça assumiu não precisou fazer isso.
Valor: O que a atual presidente criticava quando era diretora?
Gabrielli: A mesma coisa que eu criticava. Que os projetos tinham que ter mais controle, mais aceleração e que era preciso se voltar mais para a situação interna. Então, objetivamente, essa gestão é uma continuidade, em uma nova etapa. E isso é relevante. Isso foi que ela defendeu. A interpretação que vocês [imprensa] estão dando é que está equivocada. Ela [Graça] foi diretora quatro anos e todas as decisões na Petrobras são por consenso. Ela fazia críticas do mesmo jeito que eu fazia, tanto que nos últimos dois anos montamos uma gerência de desempenho. Pegue minhas entrevistas antes de eu sair. Está tudo publicado.
Valor: A Petrobras produziu 316 milhões de barris abaixo da projeção mais conservadora, o que representou uma receita não realizada de US$ 25 bilhões entre 2003 e 2011.
Gabrielli: Mas o que aconteceu com o investimento?
Valor: A produção que não virou receita foi gasta com refinarias que não estão prontas. A Abreu e Lima, em Pernambuco, vai custar nove vezes mais, já que orçamento pulou de US$ 2,3 bilhões US$ 20,1 bilhões em 2012 em sete anos.
Gabrielli: Essa foi outra inabilidade da Graça, aliás, não diria inabilidade, mas falta de cuidado naquela apresentação [referindo-se a apresentação do Plano Estratégico]. Por dez anos, de 1994 até 2004, o mercado brasileiro de combustíveis era estável. A partir de 2005 o mercado de combustíveis começa a crescer aceleradamente no Brasil. Os Revamps [ampliações e modernizações] das refinarias chegaram ao limite. Não se pode fazer mais. Aumentou-se em até 400 mil barris por dia a capacidade de processamento das refinarias sem novas construções. E isso foi antes do pré-sal. E onde fazer novas refinarias? Precisava ser no Nordeste que tem 19% do mercado brasileiro e está a três dias de Caracas e a quatro de Houston. E, portanto, era o mais vulnerável para um ataque competitivo de outros fornecedores.
Valor: E aí veio o pré-sal
Gabrielli: E em cima disso veio o pré-sal. E a estimativa de produção do pré-sal leva a um volume gigantesco e aí se diz, olha, vamos refinar no Brasil para exportar derivados, revertendo uma vantagem logística do Nordeste. Aí vem também um crescimento mais do que acelerado do mercado interno e essa posição se reverte. E hoje nenhuma das refinarias está organizada para exportação. Todas elas estão organizadas para o mercado interno.
Valor: E o custo?
Gabrielli: Aí vamos à construção. Faz-se um projeto de refinaria com autossuficiência petroleira você faz um projeto próprio. Totalmente customizado, sem estar tropicalizado. Ou seja, sem estar ajustado a preços e estruturas no Brasil. Consequentemente, as estimativas que se teve no primeiro momento estavam furadas. A base de dados de preços usada não foi nacional, se perdeu a referência. O primeiro orçamento [US$ 2,2 bilhões] estava errado. E isso foi dito várias vezes no Congresso e no TCU. Houve um erro inicial, saiu de US$ 2 bilhões para US$ 7 bilhões. A última refinaria feita pela Petrobras foi em 1980. Não tinha engenharia de construção de refino, o mercado estava estável, não crescia, toda a atenção da Petrobras estava voltada para a exploração e produção de petróleo. Isso é fato e por isso a produção saiu de 700 mil para 2 milhões de barris/dia. Aí você pode dizer que o fato de entrar com petróleo venezuelano e brasileiro atrapalha porque a refinaria não é otimizada para nenhum tipo de petróleo, já que ela vai trabalhar com dois tipos de cargas (venezuelana e brasileira).
Valor: Como se justifica a perda de valor da companhia?
Gabrielli: A empresa tinha um mercado interno crescendo mais do que sua capacidade de atender.
Valor: Por que a produção da Petrobras atrasou tanto na sua gestão?
Gabrielli: O primeiro elemento é que a maior parte das empresas de petróleo não divulga metas de produção específica, já que existem dois componentes que são probabilísticos. Um é o que está no subsolo, os elementos geológicos. E o grau de conhecimento à medida que você vai avançando [no conhecimento] do reservatório é que você tem mais precisão nas estimativa de produção. O segundo elemento está na superfície, que é se o fornecedor vai atrasar, se vai faltar material, se não teve greve, se o licenciamento ambiental está atrasado ou não, se houve um acidente que teve que parar a produção. Ajustar meta de produção é coisa normal na indústria de petróleo.
Valor: Mas porque um desvio tão grande?
Gabrielli: Há nove anos a Petrobras tinha apenas uma sonda com capacidade de perfurar a mais de 2 mil metros. Quantas vai ter no final de 2012? 40. E com sonda você faz perfuração exploratória, intervenção de poço, desenvolve a produção. Sonda é vital. Consequentemente, aumentar a capacidade de adquirir informações custa, não é instantâneo. O segundo elemento é que nessa transição tem atraso na entrega de sondas, que são 100% internacionais.
Valor: Atrasaram também plataformas de produção. A decisão política de espalhar estaleiros pelo país atrapalhou?
Gabrielli: Aí tivemos um problema da indústria local. Não é política. Quando você olha os estaleiros de Cingapura e da Coreia, tivemos duas plataformas, a P-43 e a P-48, que atrasaram dois anos. Eram contratos de turn key com a KBR e com a Halliburton. Ou seja, totalmente no modelo que todo mundo diz que é bom. Veio a P-50 que também era um processo de transição. A partir daí vieram a P-51, P-52 e inauguramos a P-59 na Bahia. E já estão em projeto para a P-61 e P-62. Nove anos se levaram para montar as plataformas.
Valor: Em entrevista ao Valor, em 2009, o ex-presidente Lula mencionou várias vezes interferência na Petrobras, o que é visto como problema de governança.
Gabrielli: A forma como o governo intervém na Petrobras é a forma como qualquer acionista majoritário dominante, em qualquer empresa. Quando você tem um acionista majoritário dominante ele conduz a empresa de acordo, principalmente, com seus interesses. Que não vão ser, necessariamente, contra os interesses de todos os acionistas. Provavelmente serão muitas vezes contrários aos interesses de acionistas minoritários de curto prazo. Porque geralmente o acionista dominante valoriza muito mais o crescimento de longo prazo da empresa do que o retorno no curto prazo.
Valor: Como explica essa tese na importação de combustíveis vendidos aqui com prejuízo?
Gabrielli: A questão é que com os preços internos mais baixos que os internacionais, não há estímulos às importações por outros atores. Se as expectativas de que o diferencial de preços nacionais e internacionais tende a se manter no mesmo patamar, as importações não se realizam. No entanto se há a certeza que os preços domésticos vão ficar superiores aos internacionais por um certo tempo, novas importações ocorrem e a Petrobras perde market share. Como perdeu em 2008. Perdeu participação de mercado com importações de álcool e gasolina que não foram feitas por ela. Pegue o mercado entre 2007 e 2010 e faça as contas de importações e da produção da Petrobras.
Valor: A Petrobras importa a preço de mercado e vende mais barato aqui. Como pode essa equação fechar?
Gabrielli: Concordo. É um problema. E só pode ser temporário porque se teve preços mais altos do que o mercado também. Você é grande. Vai voltar um dia, você acha que não? Nada sobe para sempre, nada desce para sempre. Agora vamos ver do ponto de vista dos acionistas minoritários.
Valor: Os minoritários perderam cerca de 21 % do que aplicaram na capitalização em 2010 e o valor de mercado caiu 30%
Gabrielli: O preço está muito ruim. O mercado está penalizando a Petrobras. Mas é um pouco de redução de expectativas em função do pré-sal. A Petrobras foi a R$ 440 bilhões em outubro, novembro de 2008. O preço do petróleo foi a US$ 147 em julho de 2008 e caiu para US$ 33 em dezembro, seis meses depois. E hoje está flutuando em torno de US$ 100. Por outro lado o pré-sal deixou de ser miragem para ser uma realidade. Com os problemas de implantação, é verdade.
Valor: Agora pode dizer se é candidato? Vai concorrer à sucessão de Jaques Wagner?
Gabrielli: Não sou candidato a nada. É muito cedo para falar disso. Estou aqui organizando a secretaria.
Valor: Como está o trabalho no governo da Bahia?
Gabrielli: Estou trabalhando mais, muito mais. Na Petrobras eu tinha uma agenda só. Na Bahia eu tenho três agendas, uma profissional, a política que eu não tinha antes, e uma agenda pessoal. É bom, mas leva tempo e consome energia. Também tenho que dar atenção para a minha mãe, que tem 86 anos. E mãe carente é um problema.

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