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quarta-feira, maio 12, 2010

ELEIÇÕES 2O1O [In:] ''FAIR PLAY''

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Boa hora para rever as regras que presidem as eleições

Valor Econômico - 12/05/2010

A legislação eleitoral brasileira é hoje um frankenstein. Não existe outra forma de caracterizá-la. Ao longo das últimas décadas, a legislação foi incorporando medidas preventivas contra políticos em princípio suspeitos - de acordo com a lei - e fechou o cerco contra possibilidade de uso da máquina dos governos para fins eleitorais. Os seus artigos primam pela louvável intenção de tornar as eleições limpas, e as condições iguais para todos os candidatos. O problema é que, ao longo do tempo, mudanças legislativas e de entendimento sobre o que era, e o que não era, ação eleitoral indevida coexistiram com outros entendimentos de elevado rigor. O resultado disso, em alguns casos, é a hipocrisia.

O conceito da lei de que a política brasileira trazia um alto potencial de uso da máquina eleitoral em favor dos candidatos no poder - fruto do caráter patrimonialista da nossa sociedade - fez com que se proibisse a reeleição, ao longo da história republicana. Estendeu-se a essa proibição a exigência de que o detentor de um cargo executivo que quisesse se candidatar a outra função se desincompatibilizasse seis meses antes do pleito. Era uma forma de evitar que prefeitos, governadores ou o presidente, ou seus secretários e ministros, usassem seus cargos em proveito próprio, desequilibrando a disputa. Ainda pretende servir a esse propósito. Outras normas complementaram as salvaguardas contra o uso da máquina. Proibiu-se, por exemplo, a candidatura de parentes até o segundo grau dos executivos municipais, estaduais e federal nas eleições em que seus cargos estavam em disputa. Isso foi pensado para inibir uma antiga prática de driblar a proibição da reeleição: o político que ocupava o cargo se mantinha no poder, elegendo o cônjuge ou o filho pelo mandato seguinte - e, no mandato posterior, se elegia novamente para o mesmo posto, sucedendo o cônjuge ou o filho.

O mesmo arcabouço legal e a mesma lógica que proibiam a reeleição definiram outras medidas preventivas contra o uso da máquina para fins eleitorais. Assim, foi definido que os candidatos apenas podem fazer campanhas nos três meses que antecedem as eleições, e a partir do momento em que forem oficializados pelas convenções de seus partidos. Um prazo reduzido para campanha, num período em que todos os candidatos usufruem igualmente do direito de uso da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, é considerado pela lei uma garantia de igualdade na disputa - aqueles com maior poder econômico e os que têm menos dinheiro partem das mesmas condições: três meses de campanha eleitoral com acesso ao rádio e à TV.

Em junho de 1997, contra a tradição republicana brasileira, o Congresso aprovou uma emenda constitucional e instituiu o direito a uma reeleição. Todo o arcabouço legal que visava impedir que o mandatário driblasse a proibição de permanecer informalmente no poder, ou usar a máquina na disputa por outro cargo, permaneceu intocado.

Assim, criou-se uma situação em que o candidato à reeleição permanece no cargo e, no período de campanha, divide-se entre o governo e a eleição. Ao candidato a outro cargo, todavia, recaem as suspeitas de uso da máquina: a lei mantém a obrigatoriedade de desincompatibilização para eles. Uma vez fora do posto para disputar uma eleição, no entanto, eles ainda não são candidatos. Segundo a lei, devem cumprir um período de três meses no ostracismo, até que seus partidos oficializem suas candidaturas. E só então, eles podem pedir um voto. Caso contrário, incorrem no crime de propaganda antecipada.

Esse incompreensível intervalo entre a desincompatibilização e a candidatura oficial, acrescido à diferença produzida pela lei entre um candidato à reeleição e o seu adversário, que está fora de uma máquina de governo, torna o cenário eleitoral propenso a um faz de conta. O candidato à reeleição finge que metade do tempo é governante, metade candidato. O candidato que se desincompatibilizou para disputar um outro cargo finge que não é candidato. A lei, ao exigir o impossível - a neutralidade de um governante candidato à reeleição e as férias compulsórias da política de um postulante que se desincompatibilizou de um cargo executivo -, torna mais provável a desobediência a ela. E há uma patente desigualdade de oportunidades entre os candidatos. Essa é a tal pré-candidatura - e, como não existe oficialmente, os tribunais eleitorais passam por elas distribuindo multas, pois não existe candidatura para ser impugnada.

Tentativas de mudança na lei eleitoral e partidária acabam por ser bloqueadas por interesses privados envolvidos. Está na hora, contudo, de o Legislativo vencer essas dificuldades e se debruçar num código eleitoral que se adapte à alteração mais radical sofrida pelo sistema eleitoral brasileiro durante toda a história de sua república, o instituto da reeleição. Até que fosse aprovada, a proibição de ser eleito para o mesmo cargo era o elemento central de outras tantas medidas restritivas da lei. A sociedade também tem que perceber a urgência de se proceder à modernização da legislação. As tentativas de liberalizar normas legais têm sido entendidas aprioristicamente como mal-intencionadas. É preciso serenidade para reconhecer que a reeleição marcou um novo momento na história eleitoral brasileira e hoje há um descompasso enorme entre essa realidade e as restrições que existiam anteriormente.

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